terça-feira, 29 de maio de 2012

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Matrix

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Ponto de vista


RESENHA CRÍTICA "PONTO DE VISTA"  
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PONTO DE VISTA - FOTO DIVULGAÇÃO


CRÍTICA: PONTO DE VISTA - Talvez a melhor palavra para descrever PONTO DE VISTA seja vertiginoso. O diretor Pete Travis, imaginando eventuais comparações com o seriado 24 hs, optou por seguir uma narrativa pouco convencional, dividindo o filme em vários segmentos de um mesmo acontecimento – Os tais pontos de vista.
Aparentemente, o roteiro conta uma história já conhecida por todos: organização terrorista atenta contra a vida do presidente norte-americano, durante uma conferência na Espanha. Tentando fugir do lugar-comum, Travis e o roteirista Barry Levy bolaram o esquema, até certo ponto interessante, de conduzirem a narrativa ao clímax, e, subitamente, voltar atrás, ao início de tudo. Esse subterfúgio faz com que o filme tenha cerca de quinze minutos do seu tempo repetidos à exaustão, embora a constante repetição das mesmas cenas não cheguem a cansar a platéia, na medida em que insere novos dados que ajudarão na elucidação do problema proposto.
Seguindo o mesmo esquema do seriado 24 hs, PONTO DE VISTA não deixa o espectador tomar fôlego, vai de surpresa em surpresa, como numa montanha-russa de adrenalina. O grande problema é que quando se opta por imprimir um ritmo alucinante a um filme de ação, corre-se o risco de ressaltar as falhas do roteiro e a falta de profundidade das personagens, na medida em que as ações tornam-se muito mais importantes que as emoções. Nesse sentido o diretor peca, pois apenas o Thomas Barnes do sempre correto Dennis Quaid oferece ao espectador uma faceta psicológica mais apurada, e isso somente no início, faceta essa logo esquecida em detrimento à ação desenfreada do restante do filme. Nem os Oscarizados William Hurt (como o presidente Asthon) e Forest Whitaker (o turista Howard Lewis), que já demonstraram serem ótimos atores, nem Matthew Fox, o doutor Jack da série Lost, conseguem escapar de uma atuação burocrática. E o que dizer então da produtora de televisão Rex Brooks, interpretada por Sigourne Weaver, que desaparece da trama após os dez minutos iniciais?
Também não fica muito claro qual a intenção final dos terroristas nem os motivos que levam um agente do serviço secreto americano e um cinegrafista de televisão a compactuarem com os extremistas, ou como um líder que mata centenas de pessoas explodindo uma bomba numa praça lotada, de repente coloca tudo a perder apenas para não atropelar uma menina de dez anos.
Apesar dos problemas, o filme consegue segurar bem os 92 minutos de projeção, na base de muita ação e corre-corre. Destaque para a boa escolha do cenário, a cidade espanhola de Salamanca, que empresta suas cores fortes à trama e torna as cenas de ação muito mais interessantes do que se tivessem sido gravadas em alguma cidade americana.
Ficha Técnica
Título Original: Vantage Point
Gênero: Suspense
Duração: 90 min.
Ano: EUA - 2008
Distribuidora: Columbia Pictures
Direção: Pete Travis
Roteiro: Barry Levy
Site Oficial: www.pontodevistaofilme.com.br 

Trailer do filme PONTO DE VISTA

O querto poder

http://www.youtube.com/watch?v=DzwTRoLHSRk

O Show de trumam


Resenha: O Show de Truman (1998)

O Show de Truman, o Show da Vida
Por Jéssica Camargo Geraldo
Acadêmica de Jornalismo na Universidade Federal de Santa Catarina
O Show de Truman (The Truman Show – EUA – 1998) é um retrato do alto grau de espetacularização em que vive a sociedade contemporânea. Dirigido por Peter Weir e com roteiro de Andrew Niccol, o filme conta a história de Truman Burbank (Jim Carrey), um pacato corretor de seguros, que vive, sem saber, um reality show permanente. As câmeras, e os olhos de milhões de telespectadores em todo o mundo, acompanham 24h por dia a vida de Truman, desde seu nascimento, na fictícia Ilha de Seahaven, o maior estúdio já construído. Seus familiares, esposa, amigos, colegas de trabalho e demais habitantes da cidade fazem parte de um elenco, comandado pela equipe de Christof (Ed Harris), o criador do show. São pequenos indícios que levam Truman a questionar a realidade harmônica e, de certa forma, perfeita, em que vive. O desenrolar do filme é a busca do personagem pela verdade sobre sua existência.
Apesar de não tratar especificamente de questões do Jornalismo, é possível, a partir do filme, refletir sobre mídia e sensacionalismo, temáticas relacionadas a essa área de conhecimento. Na abertura do show, Hannah Gill (Laura Linney), atriz que interpreta a esposa de Truman, Meryl, diz não acreditar numa distinção entre vida pública e privada. Essa afirmação diz muito sobre o interesse da audiência, no filme e fora dele, pela vida do outro. Interesse esse, que leva o programa de televisão a adotar o enjeitado bebê Truman e privá-lo de uma vida real, com experiências autônomas e vivências próprias, criando-o como um rato de laboratório, observado diuturnamente, sem direito à privacidade. Se fora da ficção a sociedade ainda não chegou a cometer tal excesso, ações quase tão grotescas quanto já foram praticadas em busca de maior ibope. Um exemplo pungente é a cobertura do sequestro da jovem Eloá (2008), com destaque para a entrevista feita por Sônia Abrão, apresentadora da Rede TV!, pelo telefone com Lindemberg Alves, enquanto ele ainda mantinha as jovens no cativeiro, interferindo de forma irresponsável na ação policial e, quiçá, acarretando o fim trágico do episódio.
Outra problemática trazida pelo filme, e que merece análise, é o extrapolar dos limites pela Publicidade. Dentro do show de Truman, diversos comerciais são exibidos “integrados” ao cotidiano dos habitantes de Seahaven, como o achocolatado escolhido pela esposa ou a cerveja preferida de Marlon (Noah Emmerich), melhor amigo de Truman. Todos os produtos consumidos na cidade, como roupas, alimentos e objetos, também estão à venda no Catálogo Truman, fazendo do show um grande canal de venda e de Truman, um garoto-propaganda ignorante de sua condição. Mas merchandising integrado não é algo que se restringe aos programas de entretenimento da ficção. No lado de cá, a prática é recorrente. Só em sua última edição, o Big Brother Brasil, por exemplo, faturou cerca de R$ 250 milhões com as 60 ações de merchandising promovidas.
Se o terreno do entretenimento já está plenamente dominado, a Publicidade vem buscando cada vez mais estender seus domínios em outra seara, o Jornalismo. O interesse, sem dúvida, está relacionado aos conceitos de credibilidade e verdade do Jornalismo, que, se agregados à divulgação, otimizam, e muito, esse processo. Alguns programas jornalísticos, geralmente de emissoras menores, fazem publicidade dentro de seu espaço, como, por exemplo, o esportivo Bola na Rede, da Rede TV; ou um exemplo local, o catarinense SBT Meio-dia. Essa imiscuidade com a Publicidade, em tempos de grande competitividade, é um dos dilemas éticos impostos aos jornalistas da contemporaneidade. Mas essa é a forma mais rasa de atuação da Publicidade no Jornalismo. Originalmente antagônicas e sem pontos de convergências, hoje, na Era da Imagem, é possível afirmar, que o fazer informação sofre uma influência irreversível da Publicidade. A forma passou a ser tão ou mais importante que o conteúdo. O fade in, fade out e o close up viraram estratégias de um jornalismo teatralizado, onde vale tudo pela melhor cena, e a própria realidade é questionável. Entrevistas forjadas, fotos montadas, manipuladas digitalmente… vale tudo para atrair o leitor, cada vez mais tratado como consumidor. Vivemos, cada dia mais, o show de Truman.
FICHA TÉCNICA
O Show de Truman, O Show da Vida (The Truman Show / EUA, 1998 – 103 minutos)
Gênero: 
Drama
Direção:
 Peter Weir
Roteiro:
 Andrew Niccol
Elenco: 
Jim Carrey, Laura Linney, Ed Harris, Noah Emmerich, Natascha McElhone e Paul Giamatti

Manipulação da midia


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O linguista estadunidense Noam Chomsky elaborou a lista das "10 estratégias de manipulação" através da mídia:
1- A ESTRATÉGIA DA DISTRAÇÃO.
O elemento primordial do controle social é a estratégia da distração que consiste em desviar a atenção do público dos problemas importantes e das mudanças decididas pelas elites políticas e econômicas, mediante a técnica do dilúvio ou inundações de contínuas distrações e de informações insignificantes. A estratégia da distração é igualmente indispensável para impedir ao público de interessar-se pelos conhecimentos essenciais, na área da ciência, da economia, da psicologia, da neurobiologia e da cibernética. “Manter a atenção do público distraída, longe dos verdadeiros problemas sociais, cativada por temas sem importância real. Manter o público ocupado, ocupado, ocupado, sem nenhum tempo para pensar; de volta à granja como os outros animais (citação do texto 'Armas silenciosas para guerras tranqüilas')”.
2- CRIAR PROBLEMAS, DEPOIS OFERECER SOLUÇÕES.
Este método também é chamado “problema-reação-solução”. Cria-se um problema, uma “situação” prevista para causar certa reação no público, a fim de que este seja o mandante das medidas que se deseja fazer aceitar. Por exemplo: deixar que se desenvolva ou se intensifique a violência urbana, ou organizar atentados sangrentos, a fim de que o público seja o mandante de leis de segurança e políticas em prejuízo da liberdade. Ou também: criar uma crise econômica para fazer aceitar como um mal necessário o retrocesso dos direitos sociais e o desmantelamento dos serviços públicos.
3- A ESTRATÉGIA DA GRADAÇÃO.
Para fazer com que se aceite uma medida inaceitável, basta aplicá-la gradativamente, a conta-gotas, por anos consecutivos. É dessa maneira que condições socioeconômicas radicalmente novas (neoliberalismo) foram impostas durante as décadas de 1980 e 1990: Estado mínimo, privatizações, precariedade, flexibilidade, desemprego em massa, salários que já não asseguram renda decente, são tantas mudanças que teriam provocado uma revolução se tivessem sido aplicadas de uma só vez.
4- A ESTRATÉGIA DO DIFERIDO.
Outra maneira de se fazer aceitar uma decisão impopular é a de apresentá-la como sendo “dolorosa e necessária”, obtendo a aceitação pública, no momento, para uma aplicação futura. É mais fácil aceitar um sacrifício futuro do que um sacrifício imediato. Primeiro, porque o esforço não é empregado imediatamente. Em seguida, porque o público, a massa, tem sempre a tendência a esperar ingenuamente que “tudo irá melhorar amanhã” e que o sacrifício exigido poderá ser evitado. Isto dá mais tempo ao público para acostumar-se com a idéia de mudança e de aceitá-la com resignação quando chegar o momento.
5- DIRIGIR-SE AO PÚBLICO COMO SE ELE FOSSE CRIANÇA DE BAIXA IDADE.
A maioria da publicidade dirigida ao grande público utiliza discurso, argumentos, personagens e entonação particularmente infantis, muitas vezes próximos à debilidade, como se o espectador fosse um menino de baixa idade ou um deficiente mental. Quanto mais se intente buscar enganar o espectador, mais se tende a adotar um tom infantilizante. Por quê? “Se você se dirige a uma pessoa como se ela tivesse a idade de 12 anos ou menos, então, em razão da sugestionabilidade, ela tenderá, com certa probabilidade, a uma resposta ou reação também desprovida de um sentido crítico como a de uma pessoa de 12 anos ou menos de idade (ver “Armas silenciosas para guerras tranqüilas”)”.
6- UTILIZAR O ASPECTO EMOCIONAL MUITO MAIS DO QUE A REFLEXÃO.
Fazer uso do aspecto emocional é uma técnica clássica para causar um curto-circuito na análise racional e, por fim, no sentido critico dos indivíduos. Além do mais, a utilização do registro emocional permite abrir a porta de acesso ao inconsciente para implantar ou enxertar idéias, desejos, medos e temores, compulsões, ou induzir comportamentos…
7- MANTER O PÚBLICO NA IGNORÂNCIA E NA MEDIOCRIDADE.
Fazer com que o público seja incapaz de compreender as tecnologias e os métodos utilizados para seu controle e sua escravidão. “A qualidade da educação dada às classes sociais inferiores deve ser a mais pobre e medíocre possível, de forma que a distância da ignorância que paira entre as classes inferiores às classes sociais superiores seja e permaneça impossível para o alcance das classes inferiores (ver ‘Armas silenciosas para guerras tranqüilas’)”.
8- ESTIMULAR O PÚBLICO A SER COMPLACENTE NA MEDIOCRIDADE.
Induzir o público a achar que é moda o fato de ser estúpido, vulgar e inculto…
9- REFORÇAR A REVOLTA PELA AUTOCULPABILIDADE.
Fazer o indivíduo acreditar que é somente ele o culpado pela sua própria desgraça, por causa da insuficiência de sua inteligência, de suas capacidades, ou de seus esforços. Assim, ao invés de rebelar-se contra o sistema econômico, o individuo se auto-desvaloriza e se culpa, o que gera um estado depressivo no qual, um dos seus efeitos, é a inibição da sua ação. E, sem ação, não há revolução!

10- CONHECER MELHOR OS INDIVÍDUOS DO QUE ELES MESMOS SE CONHECEM.
No transcorrer dos últimos 50 anos, os avanços acelerados da ciência têm gerado crescente brecha entre os conhecimentos do público e aquelas possuídas e utilizadas pelas elites dominantes. Graças à biologia, à neurobiologia e à psicologia aplicada, o “sistema” tem desfrutado de um conhecimento avançado do ser humano, tanto de forma física como psicologicamente. O sistema tem conseguido conhecer melhor o indivíduo comum do que ele mesmo conhece a si mesmo. Isto significa que, na maioria dos casos, o sistema exerce um controle maior e um grande poder sobre os indivíduos do que os indivíduos sobre si mesmos.

Revolução dos bichos


A REVOLUÇÃO DOS BICHOS - GEORGE ORWEL

“Lembro-vos também de que na luta contra o Homem não devemos ser como ele. Mesmo quando o tenhais derrotado, evitai-lhe os vícios. Animal nenhum deve morar em casas, nem dormir em camas, nem usar roupas, nem beber álcool, nem fumar, nem tocar em dinheiro, nem comerciar. Todos os hábitos do Homem são maus. E, principalmente, jamais um animal deverá tiranizar outros animais. Fortes ou fracos, espertos ou simplórios, somos todos irmãos. Todos os animais são iguais.”
George Orwell


O início de uma fábula contemporânea. O dono da Granja do Solar, Sr. Jones, embriagado com o poder, tranca o galinheiro e vai para a cama cambaleando.

Major, porco ancião e premiado, reúne todos os animais e conta seu sonho visionário de como será o mundo depois que o homem desaparecer. Declara em tom profético a necessidade dos bichos assumirem suas vidas, acabando com a tirania dos homens.

Os animais são contagiados pelos versos revolucionários e entoam apaixonadamente a canção "Bichos da Inglaterra". Sr. Jones acorda alarmado com a possível presença de uma raposa e, com uma carga de chumbo disparada na escuridão, encerra a cantoria.

Major falece três noites após. A morte emoldura o mito e suas palavras ganham destaque nas falas dos animais mais inteligentes da granja. Os bichos mais conservadores insistem no dever de lealdade ou no medo do incerto: “Seu Jones nos alimenta. Se ele for embora, morreríamos de fome”.

Os perfis dos animais são traçados: os porcos, as ovelhas, os cavalos, as vacas, as galinhas, o burro... Todos com traços marcantes de manipulação, alienação, rigidez, ignorância, dispersão, teimosia...

A rebelião ocorre mais cedo do que esperavam. Com a expulsão do Sr. Jones da granja, surge o momento de reorganizar o funcionamento da propriedade. Os porcos assumem a liderança, dirigem e supervisionam o trabalho dos outros. Os demais dão continuidade à colheita. Alguns bichos se destacam pela obstinação, como o cavalo Sansão, cujo lema é “Trabalharei mais ainda.”

Os sete mandamentos declarados por Major são escritos na parede:

“Qualquer coisa que ande sobre duas pernas é inimigo.
O que ande sobre quatro pernas, ou tenha asas, é amigo.
Nenhum animal usará roupa.
Nenhum animal dormirá em cama.
Nenhum animal beberá álcool.
Nenhum animal matará outro animal.
Todos os animais são iguais.”

Bola-de-neve e Napoleão se destacam na elaboração das resoluções. Sempre com posições contrárias. Os demais animais aprenderam a votar, mas não conseguem formular propostas. A pluralidade de pensamentos dá margem aos debates e às escolhas.

Os sete mandamentos elaborados na revolução são condensados no lema “Quatro pernas bom, duas pernas ruim”. A síntese do “animalismo” é repetida pelas ovelhas no pasto por horas a fio.

Sr. Jones tenta recuperar a propriedade, mas é vencido pelos bichos na “Batalha do Estábulo”. O porco Bola-de-neve e o cavalo Sansão são condecorados pela bravura demonstrada no conflito. Mimosa foge para uma propriedade vizinha seduzida pelos mimos oferecidos por um humano. Surge a idéia de construção de um moinho de vento... Os animais ficam divididos com a perspectiva do novo.

Bola-de-neve e Napoleão sobem ao palanque e montam suas campanhas políticas. A eloqüência de Bola-de-neve conquista os animais, mas a força dos cães de Napoleão expulsa Bola-de-neve da granja e “legitima” Napoleão no cargo de líder diante dos atemorizados bichos.

Os bichos trabalham como escravos na construção do moinho de vento e gradativamente vão perdendo a memória de como era a vida na época do Sr. Jones. Animais trabalhadores, como Sansão, acordam mais cedo, trabalham nas horas de folga e assumem as máximas elaboradas pelos donos do poder: “trabalharei mais ainda” e “Napoleão tem sempre razão”.

Como a maioria dos animais não aprendeu a ler, os mandamentos vão sendo alterados na medida em que Napoleão e seus assessores vãos assumindo posições contrárias aos princípios que nortearam a revolução: os porcos começam a comerciar a produção da granja, passam a residir na casa do Sr. Jones, dormem em camas, usam roupas, bebem uísque, relacionam-se com homens... A maioria dos animais é facilmente convencida dos seus “equívocos de interpretação”. Os poucos que conseguem ler e interpretar as adulterações do poder se omitem...

Alguns animais são executados sob a alegação de alta traição. Tudo o que ocorre de errado na granja é de “responsabilidade” de Bola-de-neve. Sua história é enterrada na lama de mentiras e manipulação imposta pelo novo regime. As reuniões de domingo são proibidas e a canção “Bichos da Inglaterra” é censurada. Os bichos trabalham mais e não são reconhecidos por seus esforços. Todas as condecorações são dadas ao líder.

Os animais passam privações. Suas rações são diminuídas em prol do bem comum. Os porcos são agraciados com os privilégios do poder. Uma segunda batalha com os humanos surpreende os animais enfraquecidos, mas, apesar das muitas perdas, eles vencem e permanecem sob a ditadura imposta por Napoleão. Infelizmente perderam os parâmetros para avaliação, perderam a memória da história antes do governo de Napoleão.

Os homens destroem o moinho de vento e os animais trabalham mais para reconstruí-lo. A dedicação do cavalo Sansão é assustadora, abdica da própria saúde em prol do ideal. Depois de alguns dias é vencido pela fragilidade da avançada idade e do pulmão debilitado... Os porcos simulam uma internação num grande hospital, mas entregam o velho cavalo ao matadouro. Os direitos do trabalhador e do aposentado se encerram na indiferença dos poderosos.

O burro Benjamim que aprendeu a ler, apesar de ter preferido o silêncio durante todo o período, tenta alertar os demais animais, mas é tarde... O porco Garganta convence os bichos de que a carroça que levou o cavalo foi comprada pelo grande veterinário, mas continuou com os letreiros do velho dono... Poucos dias depois, o anúncio da morte de Sansão chega à granja e os porcos recebem uma caixa de uísque...

Os animais escravizados ganham alento nas palavras do corvo Moisés que garante que, finda esta vida de sofrimentos, haverá a “Montanha de Açúcar – Cande”, “o lugar feliz onde nós, pobres animais, descansaremos para sempre desta nossa vida de trabalho”.  As atitudes dos porcos com Moisés são ambíguas: afirmam, aos bichos, que a história de Moisés é uma grande mentira, porém ele permanece na granja sem trabalhar e ainda com direito a um copo de cerveja por dia. A religião arrebanha algumas “ovelhas”.

“Passaram-se anos. As estações vinham, passavam, e a curta vida dos bichos se consumia.” A nova geração só conhecia esta realidade, exceto Quitéria, Benjamim, o corvo Moisés e alguns porcos... A vida era muito difícil, mas existia a certeza de que todos os animais eram iguais... Não tardou para os bichos espantados presenciarem os porcos andando sobre duas patas com chicotes nas mãos.

Só restava um único mandamento e mesmo assim adulterado: “Todos os animais são iguais, mas alguns animais são mais iguais que outros”. Depois disto nada mais se estranhava. Os porcos fumavam, bebiam e andavam vestidos – haviam se assenhorado dos hábitos do Sr. Jones. Uma noite, os porcos receberam os vizinhos humanos para uma reunião na casa. Os demais animais ficaram à espreita na janela da sala de estar.

Seguiram-se pronunciamentos, declarações de mútuo afeto e admiração por parte dos porcos e dos homens. Os vizinhos humanos parabenizaram os porcos pelos métodos modernos de ordem e disciplina impostos: "... os animais inferiores da Granja dos Bichos trabalhavam mais e recebiam menos comida do que quaisquer outros animais do condado."

Todos os alicerces da revolução estavam corrompidos nas palavras de Napoleão. Até mesmo a granja voltaria a ter o mesmo nome da época do Sr. Jones: “Granja do Solar”.

Os animais estupefatos se afastaram, mas não alcançaram vinte metros quando iniciou uma violenta discussão entre Napoleão e o vizinho humano motivada por uma jogada no carteado...

“As criaturas de fora olhavam de um porco para um homem, de um homem para um porco e de um porco para um homem outra vez; mas já era impossível distinguir quem era homem, quem era porco.”

A metáfora da janela é fundamental para a abertura da percepção da realidade. Os ditadores podem estar revestidos em qualquer corpo se conservarem as máscaras capazes de adulterar a memória histórica dos governantes, tornando-os marionetes manipuladas com o medo e a omissão.

O que fazer com a última mensagem do livro, qual seja, a impossibilidade de distinguir quem era porco e quem era homem? Pensar que qualquer bicho fará o mesmo quando investido de poder ou refletir sobre as atitudes e omissões de quem legitima o poder com o trabalho diário e a aceitação do crescente empobrecimento?

“A revolução dos bichos” é um texto que, a princípio, parece visionário, mas, em poucos capítulos, identificamos os acontecimentos históricos na sátira elaborada pelo grande escritor. George Orwell conseguiu interpretar a realidade com lucidez e quis alardear suas percepções sobre os movimentos sociais, o poder e os indivíduos.

A revolução russa. Major (Lenin); Napoleão (Stalin); Bola-de-neve (Trotsky); as ovelhas, que repetem sem consciência os lemas; os cavalos com seus tapa-olhos que só conseguem olhar para o trabalho; as galinhas que se perdem na dispersão; o burro empacado em suas verdades; os cães fiéis à guarda de seus donos... Todos personagens históricos, escravos da própria revolução, prisioneiros dos sonhos depauperados...

Como alterar a história? Tornar-se sujeito ativo de transformação?  Reescrever os velhos mandamentos e ensaiar uma precipitada revolução ou elaborar uma nova análise das conjunturas a fim de reavaliar nossos princípios?

A revolução dos bichos se repete na história. Novos personagens assumem os papéis dos protagonistas e o enredo continua... Alguns preferem a silenciosa leitura dos fatos, outros desejam escrever novos capítulos...

É, caro leitor, precisamos de engajamento, de comprometimento com os mandamentos que norteiam nossas ações e de coragem para espreitar a realidade com olhos de transformação sem apagar a memória de nossas conquistas históricas.

George Orwell, escritor, jornalista e militante político, participou da Guerra Civil Espanhola na milícia marxista/trotskista e foi perseguido junto aos anarquistas e outros comunistas pelos stalinistas. Desencantado com o governo de Stalin, escreveu “A Revolução dos Bichos” em 1944. Nenhum editor aceitou publicar a sátira política, pois, na época, Stalin era aliado da Inglaterra e dos Estados Unidos. Só após o término da guerra, em 1945, é que o livro foi publicado e se tornou um sucesso editorial.

Internacional comunista


Internacional Comunista

Organismo coordenador das organizações socialistas e das classes trabalhadoras, foi fundado em 1864, em Londres,com a designação de Associação Internacional de Trabalhadores. A I Internacional, dirigida por Karl Marx, exerceu umainfluência considerável na união dos trabalhadores europeus dos finais do século XIX. Os seus fundadores eram os maisimportantes líderes da classe trabalhadora da altura. Apesar da sua ação unitária frente ao capitalismo e à burguesia,foi palco de grandes conflitos internos motivados por diferenças ideológicas, de que resultou a exclusão dosanarquistas de Bakunine, em 1872. A I Internacional seria dissolvida em 1876.A Internacional Socialista (nome dado à IIInternacional) foi fundada em 1889, em Paris, e federava os partidos socialistas e os sindicatos que vieram a exercergrande influência sobre a ideologia, a política e os movimentos das classes trabalhadoras desde a última década doséculo XIX até ao eclodir da Primeira Guerra Mundial. Este congresso estabeleceu o 1 de maio como o dia internacionalda solidariedade operária. A II Internacional viria a provar a existência de uma diversidade de opiniões entre a façãomaioritária reformista "nacionalista" e os revolucionários marxistas "internacionalistas". A Revolução Russa de 1917 veioconsumar a separação entre socialistas e comunistas (1919). A II Internacional foi dissolvida em 1939 e retomada em1951 pelo Congresso de Frankfurt, dando origem à Internacional Socialista que, ainda hoje, tem como ideal político osocialismo democrático.A III Internacional (Komintern) foi criada por Lenine e Trotsky, pelo Congresso de Moscovo, em1919. Reunia todos os partidos comunistas, funcionando como um órgão de controlo soviético. O Komintern seriadissolvido por Estaline, em 1943, e substituído pelo Kominform (1947-1956), criado na Polónia, criado para servir deorganismo coordenador dos partidos comunistas.A IV Internacional foi fundada por Trotski, em 1938. Foi dominadapelos comunistas adeptos da revolução permanente e, portanto, opositores de Estaline. O seu ideal político influenciouespecialmente certos países da América Latina em que se verificou o surgimento de movimentos de guerrilha.
ver definição de trabalhadores...


Como referenciar este artigo:Internacional Comunista. In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2012. [Consult. 2012-05-30].
Disponível na www: <URL: http://www.infopedia.pt/$internacional-comunista>.

Gregório Mattos boca do inferno


Cinco poemas de Gregório de Matos, o Boca do Inferno (Bahia ,1682)


1682

Gregório de Mattos foi talvez o primeiro poeta brasileiro a usar seu talento para investir contra a incompetência, a corrupção e a arrogância dos governantes. Filho de família rica - seu pai era senhor de engenho na Bahia -, Gregório formou-se em Coimbra e retornou ao Brasil, em tese, para ser mais um integrante bem-posto da elite local. Mas virou o fio. Sem papas na língua, usando palavrões e recorrendo a imagens pesadas, não livrou a cara de ninguém na Bahia do final do século XVII.

O primeiro poema bate firme no então governador da Bahia, Antônio de Souza Meneses, o “Braço de Prata”, que comandou a capital da colônia de 1682 a 1684. Contra ele, o poeta não se limitou a lançar sátiras. Meteu-se em conspirações, ao lado da família Ravasco, à qual pertencia o padre Antônio Vieira. O segundo poema é posterior, de 1691, e critica a incompetência dos poderosos, tanto da Bahia quanto de Portugal, incapazes de tomar providências para debelar a fome que assolou a cidade naquele ano. No terceiro, quarto e quinto poemas, “Boca do Inferno” não poupa ninguém. Dirige sua verve contra a cidade inteira.

Não é de se espantar que tenha sido perseguido pelas autoridades, inclusive com a condenação ao degredo em Angola em 1694. Ficou pouco tempo por lá, mas nunca mais voltou à Bahia. Morreu no Recife, em 1696.
Para acessar outros poemas de Gregório de Mattos em versão eletrônica, vá até o site da Biblioteca Nacional . Ver também o romance “Boca do Inferno”, de Ana Miranda, Companhia das Letras, 1989.


A DESPEDIDA DO MAU GOVERNO QUE FEZ O GOVERNADOR DA BAHIA.

Senhor Antão de Sousa de Menezes,
Quem sobe ao alto lugar, que não merece,
Homem sobe, asno vai, burro parece,
Que o subir é desgraça muitas vezes.

A fortunilha, autora de entremezes
Transpõe em burro o herói que indigno cresce:
Desanda a roda, e logo homem parece,
Que é discreta a fortuna em seus reveses.

Homem sei eu que foi vossenhoria,
Quando o pisava da fortuna a roda,
Burro foi ao subir tão alto clima.

Pois, alto! Vá descendo onde jazia,
Verá quanto melhor se lhe acomoda
Ser homem embaixo do que burro em cima.

JULGA PRUDENTE E DISCRETAMENTE POR CULPADOS EM UMA GERAL FOME QUE HOUVE NESTA CIDADE NO ANO DE 1691 PELO DESGOVERNO.

Toda a cidade derrota
Esta fome universal,
E uns dão a culpa total
À câmara, outros à frota.
A frota tudo abarrota
Dentro nos escotilhões,
A carne, o peixe, os feijões;
E se a câmara olha e ri,
Porque anda farta até aqui,
É cousa que me não toca.
Ponto em boca!

Se dizem que o marinheiro
Nos precede a toda a lei,
Porque é serviço d'el rei,
Concedo que está primeiro;
Mas tenho por mais inteiro
O conselho que reparte
Com igual mão e igual arte
Por todos jantar e ceia:
Mas frota com tripa cheia,
E povo com pança oca?
Ponto em boca!

A fome me tem já mudo,
Que é muda a boca esfaimada
Mas se a frota não traz nada,
Por que razão leva tudo?
Que o povo por ser sisudo
Largue o ouro, largue a prata
A uma frota patarata,
Que entrando com vela cheia,
O lastro, que traz de areia,
Por lastro de açúcar troca!
Ponto em boca!

Se quando vem para cá
Nenhum frete vem ganhar,
Quando para lá tornar
O mesmo não ganhará:
Quem o açúcar lhe dá
Perde a caixa e paga o frete,
Porque o ano não promete
No negócio que o perder:
O frete por se dever,
A caixa porque se choca.
Ponto em boca!

Ele tanto em seu abrigo,
E o povo todo faminto
Ele chora, e eu não minto,
Se chorando vo-lo digo:
Tem-me cortado o embigo
Este nosso General,
Por isso de tanto mal
Lhe não ponho alguma culpa;
Mas se merece desculpa
O respeito a que provoca,
Ponto em boca!

Com justiça pois me torno
À Câmara só senhora,
Que pois me trespassa agora,
Agora leve o retorno:
Praza a Deus que o caldo morno,
Que a mim me fazem cear
Da má vaca do jantar
Por falta de bom pescado,
Lhes seja em cristéis lançado;
Mas se a saúde lhes toca:
Ponto em boca!


DEFINE A SUA CIDADE

De dois ff se compõe
esta cidade a meu ver:
um furtar, outro foder.

Recopilou-se o direito,
e quem o recopilou
com dous ff o explicou
por estar feito, e bem feito:
por bem digesto, e colheito
só com dous ff o expõe,
e assim quem os olhos põe
no trato, que aqui se encerra,
há de dizer que esta terra
de dous ff se compõe.

Se de dous ff composta
está a nossa Bahia,
errada a ortografia,
a grande dano está posta:
eu quero fazer aposta
e quero um tostão perder,
que isso a há de perverter,
se o furtar e o foder bem
não são os ff que tem
esta cidade ao meu ver.

Provo a conjetura já,
prontamente como um brinco:
Bahia tem letras cinco
que são B-A-H-I-A:
logo ninguém me dirá
que dous ff chega a ter,
pois nenhum contém sequer,
salvo se em boa verdade
são os ff da cidade
um furtar, outro foder.

DEFINE O POETA OS MAUS MODOS DE OBRAR NA GOVERNANÇA DA BAHIA, PRINCIPALMENTE NAQUELA UNIVERSAL FOME QUE PADECIA A CIDADE.

Que falta nesta cidade? ... Verdade.
Que mais por sua desonra? ... Honra.
Falta mais que se lhe ponha? ... Vergonha.

O demo a viver se exponha,
Por mais que a fama a exalta,
Numa cidade, onde falta
Verdade, honra, vergonha.

Quem a pôs neste socrócio? ... Negócio.
Quem causa tal perdição? ... Ambição.
E o maior desta loucura? ... Usura.

Notável desaventura
De um povo néscio e sandeu,
Que não sabe que o perdeu
Negócio, ambição, usura.

Quais são meus doces objetos? ... Pretos.
Tem outros bens mais maciços? ... Mestiços.
Quais destes lhe são mais gratos? ... Mulatos.

Dou ao Demo os insensatos,
Dou ao demo o povo asnal,
Que estima por cabedal
Pretos, mestiços, mulatos.

Quem faz os círios mesquinhos? ... Meirinhos.
Quem faz as farinhas tardas? ... Guardas.
Quem as tem nos aposentos? ... Sargentos.

Os círios lá vêm aos centos,
E a terra fica esfaimada,
porque os vão atravessando
Meirinhos, guardas, sargentos.

E que justiça a resguarda? ... Bastarda.
É grátis distribuída? ... Vendida.
Que tem, que a todos assusta? ... Injusta.

Valha-nos Deus, o que custa
O que El-Rei nos dá de graça,
Que anda a justiça na praça
Bastarda, vendida, injusta.

Que vai pela clerezia? ... Simonia.
E pelos membros da Igreja? ... Inveja.
Cuidei, que mais se lhe punha? ... Unha.

Sazonada caramunha!
Enfim, que na Santa Sé
O que se pratica, é
Simonia, inveja, unha.

E nos frades há manqueiras? ... Freiras.
Em que ocupam os serões? ... Sermões.
Não se ocupam em disputas? ... Putas.

Com palavras dissolutas
Me concluo na verdade,
Que as lidas todas de um frade
São freiras, sermões, e putas.

O açúcar já se acabou? ... Baixou.
E o dinheiro se extinguiu? ... Subiu.
Logo já convalesceu? ... Morreu.

À Bahia aconteceu
O que a um doente acontece:
Cai na cama, e o mal lhe cresce,
Baixou, subiu, e morreu.

A Câmara não acode? ... Não pode.
Pois não tem todo o poder? ... Não quer.
É que o governo a convence? ... Não vence.

Quem haverá que tal pense,
Que uma Câmara tão nobre
Por ver-se mísera, e pobre
Não pode, não quer, não vence!

GLOSSÁRIO:

Socrócio - aperto, ambição; furto.
Círios - sacos de farinha (a grafia correta é sírios)
Simonia - venda de coisas sagradas.
Unha - roubalheira; avareza; tirania, opressão.
Sazonada caramunha - Experimentada lamentação! (Soares Amora). A expressão tem sentido ambíguo. Sazonada é derivado de sazonar e equivale a amadurecida. Caramunha pode ser "a cara das crianças quando choram" ou a "lástima pelo próprio mal que se causou".
Manqueiras - Vícios, defeitos; doença infecciosa no homem e em certos animais.

DESCREVE O QUE ERA NAQUELE TEMPO A CIDADE DA BAHIA

A cada canto um grande conselheiro,
Que nos quer governar cabana e vinha;
Não sabem governar sua cozinha,
E podem governar o mundo inteiro.

Em cada porta um bem freqüente olheiro,
Que a vida do vizinho e da vizinha
Pesquisa, escuta, espreita e esquadrinha,
Para o levar à praça e ao terreiro.

Muitos mulatos desavergonhados,
Trazidos sob os pés os homens nobres,
Posta nas palmas toda a picardia,

Estupendas usuras nos mercados,
Todos os que não furtam muito pobres:
E eis aqui a cidade da Bahia.

antítese


O que é uma antítese?


Antítese é uma das mais conhecidas e usadas figuras de linguagem da língua portuguesa. Ela consiste na aproximação de palavras que expressam idéias contrárias.

Não existiria som se não fosse o silêncio
Não exisitira luz se não fosse a escuridão

(“Certas Coisas”, Lulu Santos)

Onde queres prazer, sou o que dói
E onde queres tortura, mansidão
Onde queres o lar, revolução
E onde queres bandido, eu sou o herói

(“O Quereres”, Caetano Veloso)

Paradoxo

EXEMPLO 1 - Quanto mais comiam mais sentiam fome
EXEMPLO 2-O único sentido oculto das coisas é elas não terem sentido oculto nenhum.
EXEMPLO 3- Tudo é o nada.
EXEMPLO 4- Eu sou um velho moço
EXEMPLO 5- Já estou cheio de me sentir vazio
EXEMPLO 6- Do riso se fez o pranto.


Ex:

Onde queres prazer sou o que dói,
residem juntamente no teu peito/um demonio que ruge e um deus que chora
E onde queres tortura, mansidão
Onde queres um lar, revolução
E onde queres bandido sou herói. (Caetano Veloso)
"Já estou cheio de me sentir vazio." (Renato Russo)
Do riso se fez o pranto.
Ele a amava, ela o odiava.
Hoje fez sol, ontem, pois, choveu muito.
Com a morte valorizamos a vida.
A antítese é também um dos três elementos da dialética hegeliana: tese, antítese e síntese


Relacionado com a antítese, o paradoxo é uma figura de pensamento que consiste na exposição contraditória de ideias. Em língua portuguesa, o paradoxo mais citado talvez seja o célebre soneto de Luís de Camões:
"Amor é fogo que arde sem se ver; É ferida que dói e não se sente; É um contentamento descontente; É dor que desatina sem doer;
É um não querer mais que bem querer; É solitário andar por entre a gente; É nunca contentar-se de contente; É cuidar que se ganha em se perder;
É querer estar preso por vontade; É servir a quem vence, o vencedor; É ter com quem nos mata lealdade.
Mas como causar pode seu favor Nos corações humanos amizade, se tão contrário a si é o mesmo Amor?"

A diferença existencial entre antítese e paradoxo, é que antítese toma nota de comparação por contraste ou justaposição de contrários, já o paradoxo reconhece-se como relação interna de contrários:
Antítese: "Eu sou velho, você é moço."
Paradoxo: "Eu sou um velho moço."
Um outro exemplo muito utilizado é o paradoxo: "Morte é vida, vida é morte",

Luís Fernando Veríssimo escreveu: "Se você tentou falhar e conseguiu, você descobriu o que é paradoxo”.

PARADOXO = (opinião oposta à geral) - é a expressão de verdades por uma forma oposta, aparentemente errada, diferente da opinião comum.

Pela Cruz, a morte é vida, a derrota é triunfo, o túmolo é glória.
"Ninguém é menos rei que quem tem reino"
Paradoxo: Confronto de idéias opostas e simultâneas.
Exemplo: “Bastou ouvir o teu silêncio para chorar de saudades.” (Reinaldo Dias)

Ex: "(...) Vozes veladas, veludosas vozes, / Volúpias dos violões, vozes veladas / Vagam nos velhos vórtices velozes / Dos ventos, vivas, vãs, vulcanizadas." (fragmento de Violões que choram. Cruz e Souza) 
* A vida é um palco iluminado. (metáfora)
* Já disse mais de um milhão de vezes! (hipérbole)
* As velas do Mucuripe / saíram para pescar. (sinédoque)
* O único sentido oculto das coisas é elas não terem sentido oculto nenhum. (paradoxo)
* Ouviram do Ipiranga as margens plácidas... (hipérbato)

O barroco


Arquitetura – obra da época barroca
Arquitetura – obra da época barroca
O Barroco começa a partir do ano de 1600 e todas as manifestações entre essa data e 1700 estão inseridas em um contexto assimétrico e rebuscado das obras barrocas. Segundo alguns autores, a palavra “barroco” deriva da palavra “verruca” do latim, que significa elevação de terreno em superfície lisa. Toda pedra preciosa que não tinha forma arredondada era chamada de barrueca. Logo após, toda e qualquer coisa que possuía forma bizarra, que fugia do normal, era chamada de baroque. O poeta italiano Giosuè Carducci foi quem, em 1860, adjetivou o estilo da época dos Seiscentos, referindo-se às manifestações artísticas ocorridas a partir do ano de 1600, como sendo barroco. Então, apesar de não possuir características unânimes em todas as obras, o barroco passou a ser a denominação dos artistas e escritores da referida época.
O Barroco ou Seiscentismo teve início em Portugal com a unificação da Península Ibérica, fato que acarreta ao período intensa influência espanhola, e também faz surgir outra denominação para o período, Escola Espanhola. No Brasil, o Barroco teve início em 1601, com a publicação do poema épico Prosopopeia, de Bento Teixeira, o qual introduz em definitivo o modelo da poesia camoniana na literatura brasileira.

Portugal estava em decadência nos últimos vinte e cinco anos do século XVI, o comércio tornava Lisboa a capital da pimenta, no entanto, a agricultura estava abandonada e as colônias portuguesas, inclusive o Brasil, não deram riquezas imediatas. Pouco tempo depois, com o desaparecimento de D. Sebastião, Filipe II da Espanha consolidou a unificação da Península Ibérica, o que possibilitou e favoreceu o avanço da Companhia de Jesus em nome da Contrarreforma, o que ocasionou a permanência de uma cultura praticamente medieval na península, enquanto o restante da Europa vivia as descobertas científicas de Galileu, Kepler e Newton, por exemplo.

É durante este quadro cultural europeu que o estilo Barroco surgiu, em meio à crise dos valores renascentistas, ocasionada pelas lutas religiosas e dificuldades econômicas. O contexto assimétrico e rebuscado do barroco, citado anteriormente, é reflexo do conflito do homem entre as coisas terrenas e as coisas celestiais, o homem e Deus, antropocentrismo (homem no centro) e o teocentrismo (Deus no centro), pecado e o perdão, enfim, constantes dicotomias.

No Barroco podemos classificar dois estilos literários: O Cultismo e o Conceptismo.

 • Cultismo – caracterizado pela linguagem culta, rebuscada, ligado à forma, jogo de palavras, com influência do poeta espanhol Luís de Gôngora, e por isso, chamado também de Gongorismo.

 • Conceptismo – caracterizado pelo jogo de ideias, ligado ao conteúdo, raciocínio lógico, com influência do espanhol Quevedo, e por isso, chamado também de Quevedismo.

No Barroco brasileiro destacam-se os autores: Padre Antônio Vieira com suas obras de profecias, cartas e sermões e Gregório de Matos Guerra, essencialmente poético.


Por Sabrina Vilarinho
Graduada em Letras

Quanto vale ou é por quillo

http://aplauso.imprensaoficial.com.br/edicoes/12.0.813.249/12.0.813.249.pdf

Muito Além do cidadão kane


Muito Além do Cidadão Kane

Veraz, minucioso, aterrorizante mesmo. “Beyond Citizen Kane” ou “Muito Além do Cidadão Kane” – em tradução livre - é um documentário britânico dirigido por Simon Hartog e exibido em 1993 pela emissora pública do Reino Unido, a BBC de Londres.
O documentário mostra as relações entre a mídia e o poder do Brasil, focando na análise da figura de Roberto Marinho, fundador da Globo. Embora o documentário tenha sido censurado pela justiça, em 2009 a Rede Record comprou os direitos de transmissão exclusiva, por 20 mil dólares, do produtor John Ellis.
A primeira exibição pública do filme no Brasil ocorreria no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM-RJ), em março de 1994. Um dia antes da estréia, a Polícia Militar recebeu uma ordem judicial para apreender cartazes e a cópia do filme, ameaçando, em caso de desobediência, multar a administração do MAM-RJ. O secretário de cultura acabou sendo despedido três dias depois.
Durante os anos 1990, o filme foi mostrado em universidades e eventos sem anúncio público de partidos políticos. Em 1995, a Globo entrou com um pedido na Justiça para tentar apreender as cópias disponíveis nos arquivos da Universidade de São Paulo (USP), mas o pedido foi negado. O filme teve acesso restrito a grupos universitários e só se tornou amplamente visto a partir do ano 2000, graças à popularização da internet.
No post anterior, coloquei o link para o vídeo, mas percebi que vários leitores não perceberam que poderiam assisti-lo simplesmente clicando nesse link, de maneira que, devido à importância desse documento histórico que é Beyond Citizen Kane, reproduzo, abaixo, essa obra perturbadora que fala tanto sobre este país.
Não deixe de assistir.

Otubro Vermelho

http://www.youtube.com/watch?v=IxYRt7Ml1tU

Arevolução de 1917 na russia



SOBRE A REVOLUÇÃO RUSSA
DE OUTUBRO DE 1917 

Texto de autoria de
Emil Asturig von München & Portau Schmidt von Köln
Outubro de 2004

ÍNDICE
Introdução
I.) Direção Marxista das Lutas Proletárias na Revolução de Outubro
II.) Dialética da Teoria e da Política no Programa da Revolução do Proletariado Hegemônico
III.) Tática Revolucionária do Proletariado para a Tomada do Poder na Rússia de 1917
IV.) Estratégia Revolucionária Proletária
V.) Dialética da Luta de Classes na Vitória do Proletariado Hegemônico
Uma Conclusão em Aberto: Abandono e Deformação contra a Defesa da Revolução de Outubro e de Lenin 


INTRODUÇÃO

“Revoluções são locomotivas da história, disse Marx.
Revoluções são festas dos oprimidos e explorados.
Em nenhum outro momento, as massas populares encontram-se
em condição de avançarem tão ativamente
enquanto criadores de uma nova ordem social como no tempo da revolução.”
Lenin[1]

Na história da humanidade de todos os tempos, a Grande Revolução Russa de Outubro de 1917, enquanto prólogo da revolução socialista mundial, é o marco real e triunfante de maior relevância na longa luta de classes internacionalista, travada pelos trabalhadores e todos os seus aliados oprimidos por Pão, Paz e Terra, rumo à edificação de um novo mundo : um mundo sem fronteiras, autenticamente humanizado, imune a todas as formas de exploração do homem pelo homem e de nações por nações, livre de toda a opressão dos Estados e das dilacerações sociais sangrentas, emergentes das sociedades cindidas em classes irrenconciliavelmente hostis.

Entrevendo o jubileu dos 80 anos do desaparecimento de Lenin não como um evento estático, regulado por um calendário de um período definitivamente concluído, contemplamos sua morte e o Outubro Vermelho de 1917 como ocorrências dinâmicas de um fluxo permanente em que assumem colossal importância para a vitória das lutas revolucionárias de emancipação dos explorados e oprimidos, seja do nosso presente histórico, seja do futuro vindouro das novas gerações. 

I.) DIREÇÃO MARXISTA
DAS LUTAS PROLETÁRIAS NA REVOLUÇÃO DE OUTUBRO


Se a história da Revolução de Outubro de 1917 consagrou da maneira mais plena, em meio às atrocidades da I Grande Guerra Mundial, o método marcadamente consciente, programático e organizado de intervenção dirigente do Partido Bolchevique - vanguarda de luta do proletariado hegemônico - na revolução socialista internacionalista, Lenin, enquanto principal protagonista desse partido e de uma nova Internacional RevolucionáriaPresidente do Conselho dos Comissários do Povo do novo Estado Proletário e autor dos primeiros Decretos do Governo Revolucionário Operário e Camponês, mentor ideológico da Declaração dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado e inspirador da Primeira Constituição da República Socialista Soviética, elevou o Outubro de 1917, ocorrido em um dos países mais atrasados no âmbito da cadeia européia do imperialismo capitalista, povoado por uma vasta massa de camponeses pobres, à condição de paradigma maior a ser tomado sempre em consideração por todos os modernos projetos de vitória proletária na revolução mundial contra o capital e o latifúndio.[2]

Em meio a legiões de centenas de milhares de lutadores operários e camponeses pobres, soldados e marinheiros, intelectuais e profissionais revolucionários, prodigiosamente perspicazes, tenazes e abnegados – entre os quais se destacaram Trotsky e Sverdlov, Smilga e Muralov, Frunze e Antonov-Ovseienko tais como tantos outros - Lenin foi a estrela guia de primeira grandeza no cenário da Revolução de Outubro de Toda a Rússia Soviética, a tal ponto que o próprio esplendor histórico dessa revolução encontra-se inseparavelmente associado ao seu nome, à sua vida e atividade.

Ingressando no movimento revolucionário russo em 1887, aos 17 anos, e não abandonando jamais a concepção de mundo de Marx e EngelsLeninemergiu, no cenário político contemporâneo, marcado pelo advento e agonia do imperialismo, como o mais expressivo dirigente partidário da conquista dahegemonia do proletariado sobre os demais setores, estamentos e classes sociais oprimidas, enquanto estratégia político-revolucionária de incorporação das mais amplas massas populares nos processos revolucionários violentos, voltados à tarefa histórica decisiva de destruição do Estado da ínfima minoria dos exploradores e opressores, na prolongada trilha de construção de uma sociedade sem classes e de emancipação de toda a humanidade confrangida[3].

As vitórias que conduziram ao Outubro de 1917 e dela decorreram foram factíveis, em primeiro lugar, porque soube desenvolver, incansavelmente e com agudeza de espírito, a dialética no trato da teoria científico-socialista de Marx e Engels, compreendendo que os proletários, por não poderem, por seus próprios esforços, atingir senão uma consciência sindical-econômica mais ou menos nítida – em cujo quadro prevalece, então, inevitavelmente a dominação ideológico-burguesa, historicamente mais sólida, complexa e opulenta -, necessitam do partido marxista-revolucionário para transformarem em consciência toda a sua intuição acerca das novas tarefas que envolvem a luta revolucionária de edificação do socialismo[4][5].

Assim como Engels, Lenin destacou que o socialismo, uma vez tornado ciência, exige ser tratado como tal, i.e. deve ser sistematicamente estudado, tudo dependendo de se propagar, com zelo crescente, entre as massas trabalhadoras a visão cada vez mais clarificada da luta socialista, fundindo, encadeando, unindo (zusammenschliessen), sempre mais firmemente, partido revolucionário e organizações sindicais[6].

Em sua concepção, a educação efetiva das massas lutadoras não pode assumir jamais caráter escolástico ou acadêmico - o qual as desmoraliza e lhes insufla preconceitos burgueses-liberais, sociais-reformistas e classistas-colaboracionistas acerca da mitologia moderna das Deusas da Justiça, Igualdade e Fraternidade -, mas sim deve estar sempre integrada à sua própria luta política independente e especialmente revolucionária, posto que apenas essa é capaz de realmente formar as classes exploradas e oprimidas, desvendando-lhes a magnitude de seu próprio poder, estimulando suas habilidades e  forjando sua vontade revolucionária[7]

Por sua vez, o partido marxista-revolucionário deve aprender a descobrir, estimular, promover, dinamizar o enorme talento prático-organizativo possuído pelas próprias massas lutadoras, impedindo resolutamente que o capital e o latifúndio o golpeie, destruindo-o completamente[8].

Lenin manejou a dialética de Marx e Engels sobretudo contra sua degeneração sofístico-metafísica, destituída de conteúdo revolucionário, promovida não apenas pelos próceres do socialismo da colaboração de classes nacional-chauvinista (no estilo Scheidemann, Plekhanov etc.), reformista-pacifista(Bernstein, Martinov) e paficista-democrático (Kautsky, Martov), mas também por renomados bolcheviques frente-populistas e defensistas da pátria burguesa reacionária na guerra imperialista (Stalin, Kamenev, Muranov, Rykov), opositores declarados do método da insurreição socialista para a destruição do Estado Burguês e edificação da Ditadura Revolucionária do Proletariado (Kamenev, Zinoviev, Lunatcharsky, Riazanov), conciliadores de bolcheviques insurrecionais com antípodas da insurreição (Stalin, Miliutin, Sokolnikov), antagonistas da formação de um governo revolucionário exclusiva ou hegemonicamente bolchevique (Lunatcharsky, Kamenev, Riazanov), propugnadores do esquerdismo comunista, contrário ao defensismo da pátria socialista na Guerra Civil e Revolucionária com forças armadas proletárias realmente existentes e aptas a impulsioná-lo (Bukharin, Radek, Kollontai). 

Mais do que isso : sem qualquer temor de permanecer em minoria ou de modo até mesmo isolado, sem qualquer receio de resultar derrotado ou ser tachado de excêntrico no quadro do movimento revolucionário russo e internacional, Lenin combateu todas as diversas vertentes políticas que fomentavam direta ou indiretamente o socialismo pequeno-burguês e utópico, o terrorismo populista, o espontaneísmo criticista, o economicismo sindicalista, o reformismo social,  o inorganicismo menchevique-partidário, a subalternidade ou o isolacionismo do proletariado na revolução em face do campesinato e da burguesia, o liquidacionismo do partido legal e clandestino, o eleitoralismo estatal-democratista, quer de linhagem chauvinista, quer de índole pacifista, como meios supostamente viáveis de atingir-se a vitória nas revoluções proletárias e o início da construção de uma sociedade socialista[9].

Desmascarando, sempre com palavras simples e contundentes, não apenas os sociais-oportunistas de todos os matizes situados fora, mas também protagonizando resolutamente tendências, frações e rupturas contra bolcheviques sectário-abstencionistas, eclético-conciliadores, komitetchik-burocratizados situados dentro do próprio partido revolucionário, como forma de depurar, fortalecer e aprimorar o instrumento orgânico de preparação e direção das lutas do proletariado contra a selvajeria do capital e do latifúndio, Lenin defendeu inabalavelmente o princípio maior da unidade do partido revolucionário proletário, fundado na rigorosa observância do centralismo democrático, exercido em congressos, conferências, comitês, células distritais e fabris, regularmente operantes e ocupados não exclusivamente com discussões sobre regras organizativas internas, mas sobretudo com o exercício concreto da apreciação marxista dos novos fatos objetivos e definição de tarefas revolucionárias atualizadas, com base em informações específicas sobre funções desempenhadas e a desempenhar no cenário da luta de classes.[10]

Nesse preciso contexto, estimulou constantemente processos de fusão das forças bolcheviques com novos agrupamentos combativos que, em dado momento histórico, regressaram ao legítimo sendeiro da revolução proletária.

Entendendo que um partido marxista-revolucionário não pode ser erigido sem a mais perfeita e fiel clareza acerca dos matizes essenciais nele existentes, sem luta aberta entre suas várias tendências, sem informar as massas sobre que dirigentes e agrupamentos partidários perseguem essa ou aquela linha política em dado momento histórico, salientando, porém, a importância da disciplina de ferro do partido proletário enquanto forma de combater a desorganização e definindo-a como unidade da ação revolucionária, liberdade de discussão e criticismo – sendo apenas essa disciplina digna de um partido democrático da classe avançada -, a concepção de vida político-partidária de Lenin veio a revelar-se como sendo o oposto diametral do monolitismo cripto-partidário de Stalin e seus asseclas, praticado a pretexto de impulsionarem a “bolchevização” dos partidos da Internacional Comunista, logo após o desaparecimento de Lenin, em 1924[11][12].

Permanecendo sempre muito distante de ser adulado pela grei de todos os que alegadamente se reivindicavam como autênticos porta-vozes e defensores da causa dos trabalhadores, Lenin prestou com sua atividade perseverante e sagaz um valioso exemplo para a luta inquebrantável a ser impulsionada pelos marxistas revolucionários não apenas contra os paredros do oportunismo e do ecletismo teórico-politico, senão também contra os corifeus do indiferentismo crítico e do relaxamento organizativo, em questões relacionadas com as perspectivas de novos Outubro Revolucionários.  


II.) DIALÉTICA DA TEORIA E DA POLÍTICA
NO PROGRAMA DA REVOLUÇÃO DO PROLETARIADO HEGEMÔNICO


E, com efeito : a personificação máxima de direção teórico-doutrinária e político-pedagógica do partido bolchevique e do Estado Soviético em sua fase efetivamente revolucionária encontra-se condensada na militância de Lenin.

Lenin entendeu, em toda a sua mais profunda plenitude, que a genial teoria revolucionária do socialismo científico de Marx e Engels, por exigir permanentemente uma análise estritamente exata e concretamente verificável, não pode ser jamais considerada como uma crença doutrinária enrijecida, composta por categorias analógicas abstratas e genéricas, decoradas e recitadas irrefletidamente por centenas de vezes, profissão de fé apostólica, credo metafísico petrificado e imutável.

Pelo contrário, operou com os ensinamentos do marxismo de modo dialético-revolucionário, considerando-os como um guia para a ação (Anleitung zum Handeln), orientação para o agir, instrução para a prática não de colaboração de classes e prostração diante da dominação burguesa e latifundiária, mas de organização, mobilização e luta permanente, independente e implacável das mais amplas massas revolucionárias, sob a direção hegemônica do proletariado[13].

A derrubada do capitalismo e a construção do socialismo – por constituirem objetivos fundamentais e de maior alcance em nossa idade histórica – subordinam outros objetivos programáticos interconexos e condições específicas de agir revolucionário, estratégico e tático, de menor amplitude histórica e geográfica, emergentes de modificações e variações circunstanciais que alteram, mais freqüentemente, com energia e rapidez inusitadas, estágios, períodos e situações da dinâmica viva da luta de classes[14].

Quanto ao critério de prova de sua vigorosa dialética do marxismo revolucionário, Lenin compreendeu inteiramente que a questão consistente em saber se dadas posições subjetivas correspondem à verdade objetiva pode ser apenas decidida enquanto questão prática, pois é na prática que se há de demonstrar a verdade, i.e. a realidade e o poder de determinado pensamento.  Fora dela, a questão da realidade ou irrealidade do pensamento é uma questão puramente escolástica e acadêmica[15].

Sem pretender reduzir a dialética materialista a uma simples filosofia da práxis, Lenin destacou que a prática é sempre superior ao conhecimento teórico : ela possui não apenas a dignidade da universalidade, senão também é portadora da atualidade imediata[16].

Assim, ao chegar à Rússia em 3 de abril de 1917, poucos dias após a conclusão vitoriosa da Revolução Democrático-Burguesa Russa de Fevereiro de 1917Lenin trazia consigo uma clara compreensão do novo estágio de contradições materiais e superestruturais do capitalismo, estágio esse surgido desde o início do século XX e agravado com a explosão da I Grande Guerra Mundial, em 1914.
Considerando o programa da revolução como uma verdadeira conclamação de concepções e consignas – palavra de origem grega πρόγραμμα -, Leninposicionou-se, então, em suas Teses de Abril, em favor de uma ampla revisão do antigo Programa do Partido Operário Social-Democrático Russo (POSDR), adotado em 1903, no II Congresso de Bruxelas e Londres[17].

Em seus escritos revolucionários, defendeu que, já no início do século XX, o capitalismo mundial atingira o estágio do imperialismo, um estágio em que os conglomerados capitalistas – cartéis, trusts, consórcios internacionais – haviam assumido decisiva importância, ao substituirem o capitalismo competitivo pelo capitalismo monopolista, sendo que o capital bancário enormemente concentrado fundira-se com o capital industrial, gerando o capital financeiro, a exportação de capital para países estrangeiros assumira vastas dimensões e todo o mundo havia sido dividido, territorialmente, entre os países mais ricos, iniciando-se a partilha econômica do mundo entre as grandes firmas internacionais[18].

Na medida em que o imperialismo não modificara, entretanto, os caráteres essenciais do capitalismo, considerado enquanto sistema sócio-econômico, surgia propriamente como o estágio mais elevado e moribundo do capitalismo, no sentido de estágio de transição mais avançado rumo ao socialismo[19]

Assim, os novos tremendos obstáculos situados no caminho da luta econômica e política do proletariado, a ruína, os horrores e a brutalização da I Grande Guerra Mundial haviam transformado o estágio imperialista de desenvolvimento do capitalismo na era da revolução proletária socialista, em que a vitória final do proletariado tornara-se inevitável.

Fundando-se nos estudos militares de Marx e Engels e nos artigos sobre história e filosofia da guerra de Franz Mehring, Lenin comparou e diferenciou precisamente as diversas modalidades de conflagrações militares travadas entre nações e classes, contemplou as condições econômico-históricas, jurídico-diplomáticas e político-governamentais, os objetivos e o caráter de classe das guerras, constatou serem elas inseparáveis do sistema político que as engendraram, recuperando, com grande talento, para o marxismo revolucionário os ensinamentos dialético-hegelianos de Carl von Clausewitz, um dos mais expressivos teóricos militares do velho Império Prussiano[20][21][22].

Assim, demonstrou nitidamente que, nas sociedades cindidas em classes irreconciliavelmente antagônicas, sendo toda e qualquer conflagração bélica fenômeno inafastável e continuação da política através de outros meios, i.e. com meios violentos, as guerras travadas entre as nações capitalistas industrializadas já a partir do início do século XX davam continuidade à política de suas burguesias reacionárias, decrépitas, rapazes, predatórias, dedicadas à pilhagem das colônias, opressão da nações e aniquilação dos movimentos operários, bem como redivisão de sua supremacia econômica e militar, política essa praticada já ao longo de diversas décadas anteriores à eclosão do conflito armado.

As novas guerras pela dominação do mundo e de mercados para o capital financeiro, pela subjulgação de nações menores tornado-se inevitáveis, haviam adquirido a natureza de guerras imperialistas, i.e. guerras de continuação da política de anexações, conquista e roubo, dinamizadas por diferentes grupos de potências, gigantes supremos, bandos de ladrões capitalistas nelas envolvidos, em cujo contexto resultaria absurdo culpar ou defender o imperialismo de um ou de outro bloco.

Apoiando-se no Manifesto da Basiléia de 24 de Novembro de 1912 e estigmatizando os sociais-patrióticos da II InternacionalLenin desvendou corretamente os objetivos perseguidos pelos dois principais grupos inimigos de governos burgueses imperialistas reacionários na I Grande Guerra Mundial,secundados por seus aliados menores – o grupo de potências anglo-francês-russo e o austro-húngaro-alemão -, defendeu o derrotismo para todos esses governos - inclusive o desbarato do governo patriótico-beligerante de seu próprio país -, bem como a transformação da guerra imperialista em guerra revolucionária em prol da erradicação da dominação capitalista, como a única forma efetiva de por termo à guerra então em andamento[23].

Além disso, Lenin defendeu a criação de uma nova Internacional Revolucionária, enquanto a melhor forma de aproveitamento da crise econômica e política gerada pelos recontros militares e intensificação da luta em prol da revolução socialista em todo o mundo e, em particular, na Rússia, elo mais débil da cadeia mundial do imperialismo capitalista[24].

Destacando a sempre mais acentuada desigualdade de desenvolvimento econômico e político dos países capitalistas na época imperialista, Lenin confirmou a possibilidade de vitória insurrecional da Revolução Socialista, de início em alguns países capitalistas - ou, até mesmo, em um único deles, considerado isoladamente – os quais, dando os primeiros passos na trilha do longo processo de construção do socialismo, levantar-se-iam, em armas, contra o mundo capitalista restante[25].

Assim, posicionou-se, programaticamente, em favor das consignas de “milícia” e “armamento do povo”, fundadas no fomento da instrução militar do proletariado pela organização marxista-revolucionária, visando à necessária deflagração da insurreição, repudiando, inversamente, as reinvidicações de“desarmamento”, “social-pacifismo” “repúdio de todas as formas de guerra”. 

Divergindo de Rosa Luxemburg, a grande águia revolucionária do marxismo revolucionário, Lenin defendeu também a possibilidade e os objetivos das guerras de libertação das nações subjulgadas contra a anexação imperialista, praticadas em defesa de seu direito de secessão e auto-determinação, em plena época do imperialismo.

Seguindo Marx e EngelsLenin destacou que os marxistas revolucionários não são oponentes desqualificados de todas as guerras, senão muito pelo contrário: atuam como fervorsos adeptos e combativos participantes seja das Guerras de Libertação Nacional, seja das Guerras Civis e Revolucionárias,podendo conduzir essas últimas diretamente ao defensismo da pátria socialista.
Repudiando a velha designação social-democrática, o novo nome partidário que, segundo Lenin, deveria ser doravante adotado pelos marxistas revolucionários russos, seja sob o ângulo científico, seja sob o aspecto da mais eficiente conscientização do proletariado, haveria de ser Partido Comunista (Bolchevique)[26].

Ainda no domínio da dialética da teoria política marxista, Lenin foi capaz de concluir, genialmente, logo após o encerramento do período pacífico do processo revolucionário russo, em 3 e 4 de julho de 1917, que, com a deflagração da I Guerra Mundial Imperialista, a reserva de Marx, contida no 18 Brumário de Luis Napoleão, concernente à necessidade de despedaçamento da máquina militar e burocrática do Estado Burguês apenas no quadro das revoluções proletárias do continente Europeu, estava, essencialmente, envelhecida[27][28].

Na Inglaterra e nos Estados Unidos da América, últimos representantes da antiga liberdade anglo-saxônica - consagradora da ausência do militarismo e da burocracia administrativa existentes nos Estados Burgueses da Europa continental -, já haviam emergido as mesmas instituições militaristas e burocráticas características da violenta dominação burguesa.

A partir de então, a condição preliminar de toda e qualquer revolução proletária também nesses dois países passava a ser, igualmente, a ruptura e destruição de suas máquinas estatais burguesas, engendradas para reprimir violentamente as classes dominadas.

Essa sua nova formulação, posicionou, em escala incomparavelmente mais ampla, a tarefa de concentração de todas as forças da revolução proletária para a destruição do poder dos Estados Burgueses da atualidade.

Não descurando jamais da imensa importância que possuem os métodos de esgotamento gradual das forças dos inimigos de classe, através do fortalecimento e conquista permanente de novas posições revolucionárias do proletariado na conquista da maioria das massas revolucionárias, Lenindestacou que se mostra ainda decisiva e atualíssima a política marxista-revolucionária de derrubada do capitalismo pela via insurrecional violenta da luta de classes, hegemonizada pelo proletariado no quadro de coalizão selada com seus mais autênticos aliados oprimidos, sendo que apenas com o despedaçamento do aparelho do Estado colocado a serviço das ínfimas minorias exploradoras e opressoras, autocráticas, latifundiárias e burguesas, resulta, pois, aberto o sendeiro de construção de um Estado tipo Comuna (Gemeinwesen), a Ditadura Revolucionária do Proletariado, incorporadora da mais ampla e mais avançada Democracia Proletária, forma transitória rumo ao atingimento de uma sociedade sem classes e sem Estado, i.e. o socialismo, fase inferior da sociedade comunista[29].


III.) TÁTICA REVOLUCIONÁRIA DO PROLETARIADO
PARA A TOMADA DO PODER NA RÚSSIA DE 1917


Propagandear o marxismo revolucionário como doutrina abstrata, deduzida a partir de uma fórmula lógico-imutável, como teoria da qual emerge uma gama de corolários universalvemente válidos para ascender à verdade a ser por todos finalmente admitida, significou sempre para Lenin difundir metafísica entre as massas exploradas e oprimidas, ignorando que também o socialismo científico encontra-se exposto à dialética da mutação histórica, partindo não de princípios, mas sim de fatos objetivos que avançam segundo processos vivos da luta de classes e do mundo circundante[30].

Já nos primeiros dias após a mais completa conclusão vitoriosa da espontânea Revolução Democrático-Burguesa de Fevereiro de 1917 que, em meio à I Grande Guerra Mundial, trouxe novamente à luz os Sovietes, antes liquidados na Revolução de 1905 – 1907, e derrubou o milenar absolutismo czarista e sua nobreza latifundiária, levando ao poder um Governo Provisório de Capitalistas e Latifundiários, declaradamente pró-imperialista e patriótico-beligerante, encabeçado por Miliukov e Guchkov, Kerensky e Lvov -, Lenin compreendeu, ainda em seu exílio na Suíça, a necessidade de ser elaborada, imediatamente, em palavras simples e claras, uma nova tática revolucionário-permanentista de continuada transição na revolução russa, a ser desenvolvida nos meses a seguir, como forma de consolidar a aliança de poder entre o proletariado hegemônico e o campesinato pobre: nenhuma confiança, nenhum apoio ao novo governo provisório burguês-latifundiário; Kerensky é especialmente suspeito; o armamento e a milícia do proletariado são as únicas garantias; eleições imediatas para o Conselho Municipal de Petrogrado; nenhuma aproximação com outros partidos[31].

Por não representarem, então, as eleições para a Assembléia Constituinte nada mais do que promessa vazia e distante, Lenin referiu-se muito mais às eleições imediatas para o Conselho Municipal de Petrogrado, destacando que serviriam para organizar e fortalecer as posições revolucionárias do proletariado[32].

Em suas 5 Cartas de Longe, redigidas todas elas ainda na Suíça, Lenin desenvolveu essa sua nova tática revolucionária, posicionando-se, além disso, claramente, contra o patriotismo burguês, exigindo a denúncia dos tratados de aliança com os imperialistas, a transformação da guerra imperialista em guerra revolucionária, bem como a formação de uma milícia e uma República do Proletariado, apoiada pelos trabalhadores rurais, setores mais pobres dos camponeses e moradores das cidades, como meio de assegurar Pão, Paz e Liberdade[33].

Lenin posicionou-se, então, em favor da luta por um Estado Proletário Revolucionário mediante o impulsionamento de uma segunda revolução na Rússia: uma Revolução Proletária, apoiada pela vasta maioria revolucionária dos camponeses pobres, que, destruindo completamente a velha máquina de Estado, transferiria o poder político dos capitalistas e latifundiários para um Governo dos Trabalhadores e Camponeses Pobres, organizado segundo o modelo dos Sovietes e baseado na organização da milícia proletária e de todo o povo oprimido em armas, a fim de serem empreendidos os primeiros passos rumo ao socialismo que, na Rússia, não poderia ser atingido de um só golpe, senão enquanto resultado de uma séria de medidas de transição[34].

Para Lenin, o êxito definitivo da construção do socialismo na Rússia poderia, porém, apenas ser atingido se estimulado ativamente pela vitória da revolução proletária socialista nos principais países capitalistas da Europa Ocidental e dos EUA, emergindo das contradições insolúveis decorrentes da guerra imperialista[35].

Em seu modo profundamente internacionalista de apreciar a luta de classes, Lenin entendeu que o proletariado russo não poderia, com suas próprias forças, conduzir a Revolução Socialista a uma conclusão vitoriosa, porém poderia, em certo sentido, iniciá-la, devendo tomar o poder e criar as melhores condições para que seu principal e mais confiante aliado de classe - o proletariado da Europa Ocidental e dos EUA – aderisse à batalha decisiva pelo socialismo[36].

Tendo justamente em conta os prerequisitos econômicos de uma Revolução Socialista, sabia perfeitamente que, na Rússia, seria incomensuravelmente mais fácil para o proletariado iniciá-la e imensamente mais difícil continuá-la, ao passo que, no ocidente industrializado, mais difícil seria iniciá-la e mais fácil, continuá-la[37].

Não lutando apenas em benefício próprio, senão em prol da construção do socialismo em escala mundial, o proletariado hegemônico e triunfante na Rússiahaveria de perecer, a menos que fosse capaz de resistir até receber o poderoso apoio dos trabalhadores revolucionários vitoriosos nos principais países do imperialismo capitalista.

Porém, se houvesse de sucumbir, teria iniciado a Revolução Socialista Mundial e servido de exemplo para que outros aprendessem com a sua exemplar experiência de luta[38].

Em virtude de sua nova elaboração tática opor-se abertamente à orientação defendida pela maioria de seu próprio partido, composta, em março de 1917, por bolcheviques frente-populistas, irrestritos e condicionados, bem como etapistas-defensistas da pátria burguesa reacionária na guerra imperialista e apoiadores da mais indistinta unificação dos adeptos de todos os gêneros da Social-Democracia Russa (Stalin, Kamenev, Muranov, Rykov, Noguin e seus seguidores), apenas a primeira das cartas de Lenin foi publicada no “Pravda (A Verdade)”, em 21 e 22 de março, ainda assim com diversas censuras.
Por iniciativa desses bolcheviques, todas as demais cartas de Lenin não vieram a ser publicadas em 1917.  Surgiriam apenas em 1924, ao passo que a redação integral de sua primeira carta viria a ser conhecida tão somente em 1949.

Sobre a política inteiramente anti-marxista dos bolcheviques frente-populistas e defensistas do patriotismo burguês, pronunciou-se, com grande hipocrisia,Stalin, um de seus principais porta-vozes, fazendo-o da seguinte forma, sem demonstrar, porém, ter apreendido efetivamente algo de efetivamente revolucionário, a partir desse lamentável episódio histórico:   

“Tratava-se de uma poderosa virada na história da Rússia e de um giro jamais existente na história do nosso Partido. A velha plataforma prérevolucionária de derrubada direta do governo era clara e determinada, porém não correspondia mais às novas condições de luta.
Agora, já não era mais possível orientar-se diretamente para a derrubada do governo, pois esse último se encontrava ligado com os Sovietes, os quais estavam sob a influência dos “defensores da pátria”, sendo que o Partido teria de conduzir uma luta superior às suas forças tanto contra o governo como contra os sovietes.
Porém, não se podia impulsionar uma política de apoio ao Governo Provisório, pois era um governo do imperialismo. Era necessário uma nova orientação do Partido, nas novas condições de luta. O Partido (sua maioria) procurou, tateando, alcançar essa nova orientação.
Adotou uma política de pressão dos Sovietes sobre o Governo Provisório na questão da paz e não se pôde decidir a marchar imediatamente para diante, saindo da velha consigna, Ditadura do Proletariado e do Campesinato, rumo à nova consigna Poder dos Sovietes.
Essa política do meio termo havia sido calculada para dar oportunidade aos Sovietes de contemplarem, através das questões concretas da paz, a verdadeira essência imperialista do Governo Provisório, dela, assim, afastando-se.
Porém, foi uma posição profundamente errada, pois fazia proliferar ilusões pacifistas, entornava água no moinho dos “defensistas da pátria”, dificultando a educação revolucionária das massas.
Essa posição equivocada compartilhei, então, com outros companheiros do Partido, dela afastando-me inteiramente ao aderir às Teses de Lenin.”[39]

Lenin conseguiu negociar seu regresso à Rússia, independentemente de compromisso de sustentação do defensismo patriótico-burguês, após impedimentos de todas as espécies opostos seja pelos governos imperialistas da Inglaterra e da França, seja pelo novo Governo Provisório Burguês-Latifundiário Russo[40].   

Chegando em Petrogrado, na noite de 3 de abril, e defrontrando-se com a Dualidade de Poderes – Sovietes e Governo Provisório - então objetivamente existente, Lenin ouviu com atenção e apoiou-se na vanguarda proletária para defender, intrepidamente, a continuidade do processo revolucionário rumo ao socialismo e a luta pela conquista da maioria nos Sovietes, visando a tornar possível a passagem de todo o poder de Estado para as mãos do proletariado e de seus aliados de luta[41].

Tendo em conta que as primeiras semanas posteriores à Revolução Democrático-Burguesa de Fevereiro de 1917 permitiram à Rússia tornar-se o país dotado da mais ampla liberdade política entre todos os demais beligerantes - não se recorrendo momentaneamente ao emprego de violência para repressão das massas exploradas e oprimidas -, Lenin entendeu que o primeiro passo a ser dado no sentido da Revolução Proletária  seria a paciente e persistente conscientização das massas, adaptada às suas necessidades práticas, sobre a nova situação política e os erros táticos da direção soviética menchevique-chauvinista e socialista-revolucionária(SRs) que promovia voluntariamente a transferência do poder dos Sovietes à aliança burguesa-latifundiária e seuGoverno Provisório.

Sustentando-se sobretudo nas forças proletárias de Vyborg, em Petrogrado, dos Urais e de outros grandes centros da Rússia, Lenin seguiu precisando, em suas Teses de Abril, sua dialética tática em face da Dualidade de Poderes, de modo a conduzir o proletariado hegemônico à vitória na revolução: nenhuma concessão ao «defensismo», nenhum apoio ao governo provisório burguês-latifundiário; os Sovietes de Deputados Trabalhadores, Soldados e Camponeses são a única forma possível de governo revolucionário; nenhuma República Parlamentar, mas sim República dos Deputados Trabalhadores, Soldados e Camponeses da base ao vértice; confisco e nacionalização de todas as terras, a serem tomadas e colocadas à disposição dos Sovietes de Deputados Trabalhadores Rurais e Camponeses; fusão de todos os bancos em um único banco nacional, submetido ao controle dos Sovietes deDeputados Trabalhadores; criação de uma nova Internacional Revolucionária contra os chauvinistas e os centristas-conciliacionistas[42].

E destacou: sem os Sovietes de Deputados Trabalhadores, Soldados e Camponeses, a convocação da Assembléia Constituinte é uma promessa vazia e o seu sucesso é impossível[43].

Opondo-se à tática precipitada de simples e imediata transformação da revolução democrático-burguesa em revolução socialista na Rússia de 1917, bem como à consigna de instauração de um isolado “Governo dos Trabalhadores”, Lenin frizou que a tarefa do proletariado na próxima revolução seria não a de “introduzir” imediatamente o socialismo, mas sim apenas permitir que, nesse domínio, a produção social e a distribuição dos produtos fossem colocados prontamente sob o controle dos Sovietes de Deputados Trabalhadores, enquanto sólidos passos iniciais rumo ao socialismo[44].

Nesse sentido, ressaltou que seria necessário clarificar a consciência das pessoas e levar o proletariado e o campesinato pobre para adiante, para longe do“Poder Dual”, rumo ao Poder Total dos Sovietes, sendo esse poder a Comuna de Paris, no sentido de Marx, no sentido da experiência de 1871[45].

Em aberta oposição às posições defendidas por Stalin e Kamenev, Lenin destacou a importância da dialética no domínio da formulação da tática revolucionária, demonstrando a mais plena inatualidade da velha fórmula bolchevique de luta por uma Ditadura Democrática Revolucionária do Proletariado e do Campesinato, em face do novo contexto histórico[46].

Com efeito, em seu modo de ver, essa ditadura já havia, em certa medida e de maneira extremamente original, tornado-se realidade na revolução em curso, incorporando-se, a partir de Fevereiro de 1917, na instituição dos Sovietes dos Trabalhadores, Soldados e Camponeses, que cedera, porém, voluntariamente todo o seu poder ao Governo Provisório Burguês-Latifundiário, de tal sorte que uma nova tarefa haveria de ser encaminhada: efetuar aruptura no interior dessa Ditadura entre os proletários revolucionários – anti-frente-populistas, anti-defensistas da pátria burguesa reacionária e favoráveis à transição para o regime de poder integral de tipo da Comuna de Paris -  e os elementos pequeno-burgueses ou pequeno-proprietários – mencheviques-chauvinistas e socialistas-revolucionários (SRs), apoiadores da dominação burguesa-latifundiária e do seu Governo Provisório, na guerra imperialista[47].

Sustentadas pela rápida dinâmica dos novos fatos objetivamente revolucionários, as Teses de Abril, formuladas por Lenin, prevaleceram, então, largamente, tanto na Conferência de Toda a Cidade de Petrogrado, ocorrida entre 14 e 22 de abril, como na VII Conferência do POSDR – Bolchevique de Toda a Rússia, realizada entre 24 e 29 de abril de 1917[48][49].

Nessa última instância, as Teses de Abril venceram por 142 votos contra 7, na questão da luta pela transformação da guerra imperialista em guerra revolucionária; por 122 votos contra 3 e 8 abstenções, na questão da transferência de todo o poder aos Sovietes ; por 71 votos a 47, em favor de ingressar imediatamente na via da revolução proletária. Lenin resultou vencido apenas no ponto de abandono da designação social-democrática do partido para a adoção do nome Partido Comunista – Bolchevique[50].

Apesar de a composição do novo órgão de direção partidária eleito não se ter demonstrado plenamente adequada à mais conseqüente implementação dasTeses de Abril - entre 9 membros eleitos, 4 eram opositores (Kamenev, Noguin, Miliutin e Fiedorov) e 1 entre eles, Stalin, votara apenas no último momento pelas teses leninistas –, o Partido Bolchevique, valendo-se da direção de Lenin, foi capaz não apenas de apreciar e antever, justamente e com impressionante prontidão, as situações políticas subseqüentes, como também formular acertadas palavras-de-ordem de transição para que o proletariado e seus aliados marchassem rumo à tomada do poder[51].

Exemplo disso foram as magistrais consignas dirigentes bolcheviques, levantadas por cerca de meio milhão de manifestantes, em 18 de junho de 1917, ponto de virada na história revolucionária de todos os tempos : “Todo o Poder aos Sovietes!”, “Abaixo os Dez Ministros Capitalistas!”, “Nenhuma Paz em Separado com a Alemanha, Nenhum Tratado Secreto com os Capitalistas Anglo-Franceses!”[52] 


IV.) ESTRATÉGIA REVOLUCIONÁRIA PROLETÁRIA


Lenin defendeu de modo aguerrido, ao longo de toda a sua vida, que o método histórico-materialista de Marx e Engels converter-se-ia em idealismo subjetivista supra-histórico, chave universal de teoria geral político-filosófica, molde doutrinário inteiramente oco e abstrato, se não fosse abordado enquanto fio condutor da análise de períodos e situações especificamente cambiantes no tempo e no espaço, fatos objetivos modificados e em processo de mutação, realidade omnilateral e incomensuravelmente multifacetada[53].

Nesse sentido, um dos mais brilhantes aspectos da dialética de Lenin no domínio da estratégia revolucionária constituiu, inegavelmente, sua magistral compreensão da necessidade de construção de um partido proletário marxista-revolucionário de massas e de vanguarda, dirigido preponderantemente por revolucionários profissionais e trabalhadores conscientes jovens, assentado sobre o princípio organizativo do centralismo democrático, de modo que se tornasse efetivamente materializável, na época do imperialismo capitalista, marcado por regimes burgueses-oligárquicos à maneira de autocracias, a perspectiva formulada originariamente por Marx e Engels de derrubada violenta de toda exploração sócio-econômica e dominação intelectual-ideológica, geradas inevitavelmente pela subsistência das decrépitas leis internas, inerentes à barbárie do capital e do latifúndio[54].

E, de fato : Lenin planejou, organizou, formou, construiu e impulsionou um partido dirigente de massas, democraticamente centralizado e largamente isento de traços burocráticos degeneradores, partido esse que se apoiou crescentemente na práxis revolucionária de Babushkin Sverdlov, consagrou articulistas revolucionários do calibre de Vorovsky, bem como deu vida a brilhantes órgãos jornalísticos, legais e clandestinos – tais como ”Iskra(A Centelha)”, “Vperiod!(Avante!)”, “Proletarii(O Proletário)”, “Svezda(A Estrela)”, “Rabotchaia Gazeta (Diário Operário)”, “Pravda(A Verdade)”, “Soldatskaia Pravda(A Verdade do Soldado)” etc. etc., concebidos eles mesmos como organizadores, propagandistas e agitadores coletivos da dialética do marxismo revolucionário-, constituindo-se, a partir de 1903, em fração interna bolchevique do POSDR, transformando-se, no início de 1912, como partido integral e irreversivelmente rompido com o oportunismo e o liquidacionismo de todos os matizes, em POSDR – Bolchevique[55][56][57][58].      

Lenin demonstrou que o partido revolucionário não pode cumprir jamais o seu papel histórico embrigando-se em suas próprias vitórias, deixando de reconhecer as deficiências de seu trabalho de ligação com as mais amplas massas trabalhadoras, proletárias e não proletárias, temendo tratar de seus erros e debilidades, renunciando a corrigí-los resolutamente e negando-se a dizer às massas revolucionárias o pleno conteúdo da verdade, em todas as circunstâncias, fornecendo-lhes respostas concretas a seus problemas concretos[59].

No quadro da nova situação política russa e internacional, surgida com a Revolução Democrático-Burguesa de Fevereiro de 1917, os partidos dos socialistas-revolucionários (SRs) e dos mencheviques chauvinistas posicionaram-se publicamente, nos Sovietes e diante das massas, em favor do defensismo da pátria burguesa reacionária russa na guerra imperialista, vontando pelos créditos de guerra, e postularam seu próprio ingresso na composição do Governo Provisório Burguês-Latifundiário, alegando ser, assim, possível mudar a política imperialista por este praticada.

Diante desse fato político objetivo, Lenin defendeu, tanto na Conferência de Toda a Cidade de Petrogrado, ocorrida entre 14 e 22 de abril, como na VII Conferência do POSDR – Bolchevique de Toda a Rússia, ocorrida entre 24 e 29 de abril de 1917, a estratégia de promover intensamente relações mais estreitas e até mesmo a fusão de suas forças apenas com grupos e tendências proletárias – advindas p.ex. dos mencheviques internacionalistas, dos sociais-democratas independentes, dos unionistas interdistritais -, que se encontravam sustentando posição política realmente revolucionário-internacionalista, fazendo-o com o objetivo de profligar a política de traição pequeno-burguesa do socialismo e alcançar a mais sólida hegemonia do proletariado na revolução[60][61].

Desse modo, conseguiu derrotar a concepção estratégica colaboracionista de Stalin e Kamenev de composição de uma comissão mista, visando ao fomento da unidade de todos os sociais-democratas, incluindo os denfesistas da pátria burguesa reacionária na guerra imperialista.

É precisamente essa concepção de Lenin concernente à hegemonia do proletariado que permite divisar, nitidamente, na Revolução de Outubro de 1917seu inconfundível caráter de ação histórica impulsionada pelas mais largas massas exploradas e oprimidas da sociedade, resultando absolutamente vulgar e equivocado equipará-la a um Golpe de Estado de uma Minoria ou às iniciativas revolucionárias-insurrecionais de Auguste Blanqui, tal como celebremente o fez Max Weber, ou ainda concebê-la em paralelo com uma Revolução de Ultra-Esquerdistas Iluminados, tal como entrevista por Herbert Marcuse[62][63].  

A concepção de Lenin acerca da conquista da hegemonia do proletariado nos processos revolucionários da Rússia – não perdendo jamais de vista a necessidade inafastável de destruição do Estado Burguês para a edificação da Ditadura Revolucionária do Proletariado no sendeiro da luta pelo socialismo – encontra-se, plenamente, revestida da mais rigosa aplicação do materialismo histórico e da dialética materialista de Marx e Engels[64] 

Com efeito, para Lenin, a arte do político consiste em apreciar corretamente as condições e o momento em que a vanguarda do proletariado pode tomar o poder com sucesso, de modo que consiga contar suficientemente, durante e depois da tomada do poder, com um largo apoio de amplas camadas da classe trabalhadora e das massas semi-proletárias, afirmando e expandindo sua dominação, depois da tomada do poder através da educação, formação e incorporação de forças humanas cada vez mais amplas[65].

Destacando que o grande mérito histórico de Marx e Engels foi o de terem indicado aos trabalhadores de todo o mundo sua tarefa de serem os primeiros a levantarem-se na luta revolucionária contra o capital e reunirem, em torno de si, nessa luta, todo o povo trabalhador e explorado, Lenin foi capaz de retomar a questão da hegemonia do proletariado, desde um ângulo dialético-materista, situando-se, assim, em diametral oposição ao que viria ser a versão idealista-subjetivista da hegemonia de Gramsci, para quem a estratégia revolucionária do “ataque frontal”, da “guerra de movimento” do proletariado revolucionário, subsistiria apenas “até quando se trate de conquistar posições não decisivas, não sendo, pois, mobilizados todos os recursos da hegemonia do Estado.” [66][67]

Embriagado em seu radical anti-trotskysmo e sem contar com suficiente experiência prático-revolucionária para versar sobre um tema dessa envergadura,Gramsci acaba opondo-se a Lenin e equivoca-se redondamente na apreciação da importância da luta insurrecional do proletariado para a tomada do poder e defesa de seu Estado Proletário Revolucionário, não a considerando como sendo a “fase culminante da situação político-histórica”, durante e depois da tomada do poder.  

Pelo contrário, Lenin nos indica que o “ataque frontal” do proletariado contra o Estado Burguês, visando à tomada do poder e a derrota das forças contra-revolucionárias mediante “guerra de movimento”, como forma de conquista e defesa de sua Ditadura Revolucionária - por exigir ele sim uma“concentração inaudita de hegemonia”  é a “fase culminante” e como tal centraliza estrategicamente todos os demais esforços revolucionários despendidos em “guerra de posição”, i.e. em conquista de posições revolucionárias, “trincheiras, fortalezas e casamatas”, instituições sindicais, bastiões parlamentares, espaços culturais, políticos e econômicos, públicos e privados, que ampliam o potencial das lutas revolucionárias do proletariado[68].

Na época do imperialismo capitalista, pretender propugnar a “guerra de posição” como “fase culminante da situação político-histórica”, em detrimento do “ataque frontal” significa difundir fantasias acerca de uma possível derrota do assim chamado “Império Biopolítico” e passagem ao socialismo, mediante abertura de “brechas democráticas” cada vez maiores na sociedade civil burguesa e “hiperbólica” democratização da cidadania e do Estado Burguês[69].

Mesmo encontrando-se Lenin provisoriamente refugiado na Finlândia, teve lugar, entre 26 de julho e 3 de agosto, o VI Congresso da Unificação do Partido Bolchevique (POSDR-B), sob a presidência de Sverdlov, que, seguindo a orientação estratégica prédefinida e representando cerca de 200.000 militantes, reunidos em 162 organismos partidários, em contraste com os 80.000 militantes, reunidos em 78 organismos partidários, do mês de abril de 1917 -, formalizou solenemente a incorporação nas fileiras bolcheviques dos unionistas interdistritais – sem prejuízo do fato de Trotsky e Lunatcharskyencontrarem-se, então, nos cárceres do Governo Provisório Burguês-Latifundiário, integrado, agora, também por mencheviques sociais-chauvinistas[70].

A incorporação de novos agrupamentos e tendências realmente revolucionários e internacionalistas fortaleceu gigantescamente o potencial de luta do antigo partido bolchevique, aglutinando unificadamente todos os melhores lutadores do movimento proletrário russo de então na luta comum em prol da revolução proletária.

Embora permanecendo ainda relativamente reduzido para a execução da imensa tarefa a ser cumprida, o novo partido de Lenin e Trotsky demonstrou que, em um cenário de profunda crise revolucionária, seu impacto de luta poderia aumentar exponencialmente, encabeçando ações muito superiores à sua dimensão puramente quantitativa.

A duradoura e sistemática orientação dos bolcheviques de lutarem, constantemente, pela conquista da hegemonia do proletariado na revolução, no sentido estritamente dialético-materialista que Lenin conferia a essa concepção estratégica de Marx e Engelspermitiu ao proletariado russo, nos mêses subseqüentes, exercer a direção política sobre seus aliados revolucionários, i.e. camponeses pobres, soldados marinheiros, setores oprimidos em geral, na permanente e imediata luta por romper com a burguesia e o latifúndio, conquistar a maioria da população para si, concentrar todo o poder nos Sovietes,empreender medidas visando ao despedaçamento do Estado Burguês, mediante insurreição armada, e, no contexto de um novo processo revolucionário, edificar uma Ditadura Revolucionáriahegemonizada pelo proletariado e incorporadora da mais ampla e historicamente mais avançada democracia das classes exploradas e oprimidas daquele país[71][72].

Nesse contexto histórico, emergiu o Estado Proletário Revolucionário, fundado em uma aliança de classes, entre o proletariado hegemônico - vanguarda composta pela maioria esmagadora dos trabalhadores da cidade e do campo -, e inúmeras camadas subalternas semi-proletárias (pequenos-burgueses arruinados, camponêses pobres, intelectuais sublevados etc.), uma aliança selada no quadro da insurreição armada e da guerra civil para a integral derrubada do capitalismo, repressão da resistência burguesa e latifundiária, bem como de suas tentativas restauracionistas: uma aliança entre firmes adeptos da revolução proletária e setores aliados vacilantes ou neutros, integrantes de classes distintas em sentido econômico, político, social e ideológico[73].

V.) DIALÉTICA DA LUTA DE CLASSES
NA VITÓRIA DO PROLETARIADO HEGEMÔNICO

Como se isso tudo por si só não bastasse para a configuração de um revolucionário marxista de colossal envergadura, Lenin foi também a expressão mais elevada de direção político-prática do partido bolchevique e do Estado Soviético na Revolução de Outubro de 1917.

Apesar dos atos de traição pública e sabotagem interno-partidária praticados pelos bolcheviques Kamenev e Zinoviev contra a preparação por Lenin da insurreição proletária, apesar da permissão conferida por Stalin de publicação no “Pravda(A Verdade) de artigos abertamente anti-insurrecionais (“O Que não se Deve Fazer”, de Zinoviev) e sua tentativa de conciliação da “rispidez” de bolcheviques insurrecionais (Lenin, Trotsky, Sverdlov, Smilga e outros)com a condescendência dos bolcheviques anti-levante (Kamenev, Zinoviev e seus seguidores), o partido dirigente de Lenin mostrou-se capaz de intervir, com inigualável arte e talento prático-revolucionários, enquanto o estado-maior tático e estratégico das lutas de libertação do proletariado russo e seus aliados.

Demonstrou-se apto a concentrar massas sempre maiores de explorados e oprimidos, calcular com grande precisão a correlação das diferentes forças envolvidas na luta, deslocando-as em inúmeros movimentos dirigidos e em variadas campanhas coordenadas, intervir em eleições burguesas, sindicais e soviéticas, como forma de fortalecimento e conquista de novas posições revolucionárias, manter linhas de defesa já conquistadas, comandar tanto recuos, desvios e evasões ordenadas em face de enfrentamentos provocativos e desvanjatosos, protagonizar reagrupamentos e ações militares insurrecionais e bélicas impetuosas que contribuíram para desferir pesados golpes de misericórida sobre pontos cardeais das formações políticas e militares capitalistas e latifundiárias, russas e intervencionistas.

Com disciplina, ousadia, habilidade e moral revolucionárias, os bolcheviques sob a direção máxima de Lenin conseguiram combinar, dialeticamente, estratégia de esgotamento e estratégia de derrubada dos inimigos de classe (Ermattungs- und Niederwerfungsstrategie), operações ofensivas e defensivas, assaltos frontais e de flanco, frentes e reservas, linhas e pontos estratégicos nos teatros de luta, guerra de posição e guerra de movimento (guerre de position et de mouvement, Stellungs- und Bewegungskrieg), em meio à rapidez inacreditável do furacão revolucionário[74].

Apenas desse modo, tornaram-se possíveis ações revolucionárias aparentemente irrealizáveis, tal como a dissuassão no Palácio Kshessinskaya do processo insurrecional espontâneo dos trabalhadores e soldados de Vyborg – após as demissões dos ministros burgueses Shingariov, Manuilov e Shakhovskoi -, o recuo organizado, diante da ofensiva contra-revolucionária da burguesia com Kerensky e os Sovietes ainda majoritariamente mencheviques e socialistas-revolucionários (SRs), em 3 e 4 de julho – conduzindo, provisoriamente, à retirada da ordem do dia da consigna de “Todo o Poder aos Sovietes!” -, a passagem para a clandestinidade e a rejeição de Lenin e Zinoviev – acusados de agentes do militarismo alemão – de entregarem-se à Justiça Burguesa e Latifundiária, a despeito da prisão de inúmeros dirigentes bolcheviques de grande prestígio, como Kamenev, Lunatcharsky e Trotsky, entre 7 e 22 de julho, a eficiente reativação de toda a rede de clandestinidade do Partido Bolchevique, sem prejuízo do crescimento deste, a realização do VI Congresso da Unificação, entre 26 de julho e 3 de agosto, o repúdio à proposta de “armistício entre capital e trabalho” e à Conferência de Estado de Kerensky, a antecipada percepção da Kornilovada, a retomada das ações de luta dos bolcheviques e do proletário para o destroncamento da Divisão Selvagem de Cossacos, comandada por Kornilov, o “Salvador Supremo”, em 25 de agosto, a abertura das prisões, a reativação da Guarda Vermelha, o desferimento de golpes mortais em corpos de oficiais kerenkystas e kornilovistas[75].

Apenas desse modo, foi possível, já em 31 de agosto, a conquista da maioria nos Sovietes pelos bolcheviques nas principais cidades – restituindo atualidade à palavra de ordem “Todo o Poder aos Sovietes!” -, a intervenção revolucionária no âmbito da Conferência Democrática e o boicote do Pré-Parlamento, a partir de 14 de setembro, bem como a eleição de Trotsky para a Presidência do Soviete de Petrogrado, em 23 de setembro, e a criação do Comitê Militar Revolucionário (CMR), quartel-general da insurreição armada, órgão esse situado sob o direto comando revolucionário de Trotsky[76]. 

Uma vez obtida a maioria nos SovietesLenin passou a defender, sob pena de demitir-se da direção partidária, que os bolcheviques deviam e podiam tomar imediatamente o poder, marcando antecipadamente a data para a deflagração da insurreição, sem deixarem escapar a ocasião, sem causarem a perda da revolução, sem aguardarem pelo início do novo Congresso dos Sovietes, destacando que a história jamais os perdoaria se o deixassem de fazer tempestivamente[77][78][79] 

Presente clandestinamente em Petrogrado já em 10 de outubro, Lenin contribuiu decisivamente para que sua proposta de preparação e desencadeamento imediato da insurreição fosse aprovada por 10 votos a 2, no âmbito da reunião do Comitê Central do Partido Bolchevique[80]. 

Assim, o partido dirigente de Lenin, sob o comando imediato de Trotsky, foi capaz de desempenhar, em 25 de outubro de 1917,  com talento e habilidade, aArte da Insurreção Socialista, tendo em conta as experiências práticas da Comuna de Paris de 1871 e da Insurreição de Moscou de Dezembro de 1905, observando, com triplicada audácia, as regras de atuação revolucionária de Georges-Jacques Danton e recomendadas com perspicácia proletária por Marx e Engels[81][82].

O impacto da vitória revolucionária pôde, então, ser lida nos olhos do bolchevique Antonov-Ovseienko, às 2 horas e 10 minutos da madrugada, de 26 de outubro de 1917, quando, na Tomada do Palácio de Inverno, exclamou, em nome do Comitê Militar Revolucionário “- Comunico-lhes, membros do Governo Provisório, que vocês estão todos presos.”[83]

Varrendo da face da terra os órgãos de poder da burguesia e do latifúndio russos, o dispositivo insurrecional consagrou a passagem de todo o poder de Estado ao II Congresso dos Sovietes de Toda a Rússia, composto por 650 deputados, eleitos entre as massas revolucionárias, ao mesmo tempo em que a maioria desse último, saudou-a entusiasticamente, aprovou os novos Decretos sobre Pão, Paz e Terra e elegeu o novo Governo de Comissários do Povo, representante da aliança selada entre proletariado e campesinato pobre de toda a Rússia Soviética[84].       

Encabeçada pelo partido dirigente de Lenin, a Revolução Russa de Outubro de 1917, dando os primeiros passos rumo ao socialismo, desencadeou energia revolucionária de explorados e oprimidos de todo o mundo em dimensão jamais vista ao longo de vários séculos, espalhando-se rapidamente pelas principais capitais e rincões do maior país do nosso planeta – com menor voragem revolucionária em Petrogrado e outras localidades, com maior violência libertadora em Moscou e alhures -, inspirando, desde então, novos movimentos revolucionários proletários, populares e nacionais-libertadores, em todo o orbe terrestre.   

Desse modo, demonstrou possuir uma criatividade gigantesca inigualável ao persuadir, conscientizar, organizar e dirigir massas revolucionárias, ao remodelar todo o sistema de Estado e de Direito, todas as relações sociais e econômicas, toda a estratégia e tática política, conhecidas até então pelo mundo burguês imperialista, rompendo com as velhas tradições e métodos militares, gerando novas forças armadas proletárias e populares revolucionárias, que converteram, sob o comando de Trotsky, Smilga, Frunze, Tukhatchevsky, Guarda Vermelha Proletária em Exército Vermelho Revolucionário, instituindo resolutamente a Tcheka enquanto Comitê de Saúde Pública para a rigorosa repressão à contra-revolução e coroando com atos de elevada bravura a luta inicial pela edificação do socialismo, muito além das fronteiras nacionais-russas.

Posteriormente à vitória de Outubro de 17, a continuação da política do proletariado hegemônico russo com meios violentos, seguiu, sob a direção de Lenin, não apenas derrotando efetivamente sua própria burguesia, seus próprios senhores latifundiários, socialistas pequeno-burgueses e anarquistas contra-revolucionários, no quadro da Guerra Civil de 1918 a 1921, mas também foi capaz de despedaçar a sagrada coalizão de exércitos imperialistas-intervencionistas, posta em marcha pelas principais nações imperialistas da Europa Capitalista Unificada contra a Rússia Soviética Revolucionária

„- Ленина неt. Неt более Ленина” : “Perdemos Lenin. Lenin já não mais existe”, exclamou Trotsky, por ocasião da morte de Lenin em 21 de janeiro de 1924[85]. 

Lenin tombou em meio à luta travada contra o ascenso operário-burocrático contra-revolucionário, encabeçado por Stalin e seus aliados, fazendo, porém, com que o legado de sua atividade revolucionária e da Revolução Russa de Outubro de 1917 demonstrasse a todas as novas gerações de revolucionários marxistas que a luta de classes internacionalista moderna, travada entre burguesia e proletariado, há de necessariamente conduzir à mais irrestrita vitória do socialismo em todo os pontos do planeta terra: 


“Sabemos que os abutres capitalistas ainda são mais fortes do que nós.
Podem ainda infligir amplamente danos, brutalidades e atrocidades sobre nosso país.
Porém não podem derrotar a revolução mundial. ...
Não importam as desgraças que os imperialistas possam nos impor, isso não os salvará.
Apesar de todas as eventualidades,
o imperialismo perecerá e triunfará a revolução socialista mundial!”
Lenin[86] 


UMA CONCLUSÃO EM ABERTO:
ABANDONO E DEFORMAÇÃO CONTRA A DEFESA
DA REVOLUÇÃO DE OUTUBRO E DE LENIN

O mais total abandono dos ensinamentos do Outubro Vermelho de 17 e do legado revolucionário de Lenin, tal como empreendido por Ernst Mandel, e, atualmente, por seus epígonos do Secretariado Unificado, Bensaïd, Löwy e Vercammen, a deturpação da teoria e da prática da política revolucionária deLenin, de modo a convertê-la em um guia para a ação (Anleitung zum Handeln) inteiramente oportunista, sustentadora de frente-populares e fomentadora de burocracias partidárias, sindicais e estatais-operárias, tal como o fez Stalin e seguem fazendo seus seguidores “marxistas-leninistas” dos velhos e novos “Partidos “Comunistas”, a veneração superticiosa de Stalin como se fosse o legítimo herdeiro histórico de Lenin e de sua política socialista e internacionalista, tal como o fazem Mao, Gramsci e seus sequazes, a conversão gramsciana da concepção histórico-materialista de Lenin sobre a conquista da hegemonia do proletariado na revolução em uma versão idealista-subjetivista, segmentadora e privilegiadora da “guerra de posição” para alcançar a“fase culminante” na luta pelo socialismo, em prejuízo da “guerra de movimento” e do “ataque frontal”, protagonizadas – segundo Gramsci - porTrotsky “em um período em que esse é apenas causa de fiascos, todos esses aspectos demonstram-nos nitidamente que permanece sendo imprescindível, 80 anos após a morte de Lenin, seguir reivindicando e defendendo as “Lições de Outubro” e a “História da Revolução Russa”, como forma de prosseguir reconstruindo conseqüentemente a IV Internacional de Trotsky, sob pena de dever-se dizer com Marx : “tout ce que je sais, c’est que moi, je ne suis pas marxiste (tudo o que sei, é que marxista eu não sou)”. 

Ao mesmo tempo, é imprescindível conceber o marxismo revolucionário impulsionado por Lenin não como um conjunto de axiomas imutáveis a ser apreendido de memória, conformador de uma seita apriorista (pure Sekte), despojada de toda a realidade da vida prática e cambiante da luta de classes, de modo a transformá-lo em um “fenômeno cômico (komische Erscheinung)”[98] 

E, de fato: é inteiramente impossível compreeder-se bem as questões mais decisivas não só da Revolução de Outubro de 1917, mas também de todas as iniciativas revolucionárias subseqüentes e vindouras, a serem empreendidas pelas massas exploradas e oprimidas de todo o mundo na busca de sua emancipação socialista, sem um dedicado estudo da obra paradigmática e da vida revolucionária de Vladimir Ilitch Lenin.